Sousa, Melo & Tapeocy Advogados

A correção de rumo no caso das demissões da churrascaria Fogo de Chão

Inicio meu comentário de hoje fazendo uma pergunta: é justo uma pessoa ser multada e condenada por cumprir o que a lei prevê?

Essa é uma pergunta importante. A responsabilidade que um julgador tem ao decidir as relações entre as pessoas é enorme, tendo o peso da intervenção do Estado para fins de pacificação da sociedade. Esse poder não pode ser negligenciado, nem tão pouco pode ser extrapolado.

O caso da Churrascaria Fogo de Chão ficou famoso ano passado, a partir de uma decisão da Justiça do Trabalho do Rio de Janeiro que considerou ilegais várias demissões praticadas pela empresa, que ocorreram no meio da pandemia. Segundo a defesa do empreendimento, com o agravamento dos casos de COVID-19 em todo o mundo, as várias unidades de restaurantes que compõem o grupo foram obrigadas a fechar suas portas, ocasionando uma queda brutal em seu faturamento.

Inicialmente, a empresa teria buscado dar férias coletivas de 10 dias. Entretanto, isso não foi suficiente. O passo seguinte foi a demissão de cerca de 420 empregados.

Acontece que, se tais demissões tivessem ocorrido antes de 2017, ou seja, antes da reforma trabalhista, elas poderiam ser consideradas ilegais, tendo em vista que a lei previa uma necessária negociação coletiva antes de tais dispensas imotivadas. Era uma norma protetiva das relações de trabalho, que buscava evitar os males sociais que uma dispensa em massa pode causar numa determinada comunidade.

Entretanto, com a reforma trabalhista ocorrida ainda no governo de Michel Temer, as dispensas imotivadas individuais e coletivas foram equiparadas para todos os efeitos, não havendo mais, portanto, a necessária negociação acima mencionada. A empresa realizou as demissões, pagando todos os créditos trabalhistas previstos em lei, para manter a saúde do empreendimento, segundo alega.

Contudo, uma magistrada da Justiça do Trabalho fluminense não se deu por satisfeita. Aceitou os argumentos do Ministério Público do Trabalho e acabou por multar a churrascaria em 17 milhões de reais e determinou que fossem reintegrados todos os trabalhadores dispensados sem prévia negociação.

Que as normas de Direito do Trabalho visam à proteção do trabalhador, parte hipossuficiente da relação trabalhista, ou seja, parte com condições econômicas, jurídicas e técnicas em desvantagem perante o empregador, não se ignora. Também não se nega que a todo juiz é dado o poder de exercer o controle das leis, naquilo que se conhece por controle difuso de constitucionalidade.

Mesmo diante de tais fatos, é importante o debate sobre a justiça de se impor um passivo trabalhista, na casa dos milhões de reais, em face de uma empresa por ela ter feito exatamente aquilo que a lei prevê. As consequências sociais e econômicas podem ser devastadoras, uma vez que o investidor pode não ter qualquer segurança ao empreender num país em que se pode receber uma punição pesada por cumprir as regras do jogo.

Além disso, o Judiciário, ao intervir nos demais poderes, deve fazê-lo com muita parcimônia, pois o seu papel contra majoritário não pode diminuir o caráter democrático que está por trás da elaboração das normas e leis que são aprovadas pelo país afora. Quem recebe votos para elaborar normas e regras são o Poder Legislativo e, subsidiariamente, o Poder Executivo. O Judiciário pode e deve exercer a correção de rumos, à luz da Constituição Federal, tendo essas limitações em mente.

Ao punir a empresa por cumprir a lei, a juíza praticou um ativismo que ignorou, inclusive, as condições socioeconômicas que o mundo inteiro enfrentava naquele momento, no pior cenário da crise sanitária global. Obviamente, não existe decisão fácil nesse caso. Mas o magistrado não é um super-herói, em que pese o poder de sua pena. Não será sua atuação que fará desaparecer todos os problemas do mundo ou injustiças sociais, à luz de suas concepções e ideologias pessoais.

De forma acertada, o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, nesta semana, acabou por reformar a sentença da magistrada de primeiro grau, tornando sem efeito a multa aplicada sobre a empresa, bem como a obrigação de recontratação.

Se a norma que equiparou as dispensas coletivas às individuais é justa ou não é tema para outro debate e deve fazer parte da agenda de sindicatos e entidades de representação dos atores do mundo do trabalho. Isso é do jogo da democracia. Contudo, punir aqueles que cumprem a lei é uma medida extremamente perigosa e que precisa, necessariamente, estar na agenda daqueles que decidem sobre a vida de outras pessoas.

Alberto Tapeocy, para Coluna “Direitos Fundamentais” da Rádio CBN Amazônia/Rio Branco, toda quinta, a partir das 7h.

Sair da versão mobile