Ontem, dia 8/6/2022, foi retomado o julgamento sobre o rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ. A discussão, como todos aqueles que acompanhavam esse debate já sabem, era sobre a taxatividade ou não da lista de procedimentos previstos pela Agência.
Se você não está muito por dentro do tema, uma explicação breve é necessária. Os planos de saúde possuem uma cobertura contratual para um determinado universo de doenças, com previsão, também, de procedimentos que devem ser autorizados nesses casos.
Entretanto, sempre foi muito comum que médicos prescrevessem, para doenças previstas no contrato, tratamentos que não possuem a mesma cobertura contratual. A discussão que sempre se travou no Judiciário brasileiro é se a lista preparada pela ANS, que deve ser atualizada de tempos em tempos, seria um rol taxativo, ou seja, fechado, sem possibilidade de acréscimos, ou se o rol de procedimentos é exemplificativo, com possibilidade de interpretação do caso concreto, e inclusão de outros procedimentos, desde que a doença esteja prevista contratualmente.
Ontem, o julgamento finalizou perante a 2ª Seção, na tentativa de pacificação entre julgados destoantes da 3ª e da 4ª Turma daquela Corte, em prol das operadoras dos planos de saúde, prevalecendo o voto do relator, Min. Luís Felipe Salomão.
Em que pese a taxatividade ter vencido, o julgamento definiu que, em casos excepcionais, não havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do rol da ANS, pode haver a cobertura indicada pelo médico do paciente, desde que se cumpram as seguintes exigências: o procedimento não tenha sido já indeferido expressamente pela ANS, a Medicina, baseada em evidências, ateste a eficácia do tratamento, haja recomendações de órgãos técnicos, nacionais e estrangeiros, para sua utilização e, por último, tanto quanto possível, que seja realizado um diálogo interinstitucional entre o magistrado e órgãos técnicos da área de saúde, para resolução do caso concreto.
Entre os argumentos utilizados pelo voto vencedor é que a previsibilidade nos contratos traria maior equilíbrio econômico-financeiro, com possível redução dos preços dos planos, abrindo-se as portas da saúde suplementar para mais brasileiros. Hoje, apenas 25% da população possuem plano de saúde. Os outros 75% são atendidos pelo SUS.
Na prática, o que esse julgamento do STJ fez foi dar apenas um aceno favorável às teses defendidas pelos planos de saúde, sem, contudo, encerrar o debate. Com esse resultado, as operadoras se sentirão emponderadas ainda mais a dificultar os tratamentos para seus usuários, negando qualquer procedimento indicado pelo médico, se não houver clara previsão contratual.
Por outro lado, a hiperjudicialização vai continuar exatamente como está. As pessoas continuarão discutindo tais negativas na Justiça.
Em fevereiro, quando a Min. Nancy Andrighi apresentou seu voto divergente, favorável a um rol exemplificativo, expus os principais motivos do seu voto e, hoje, sou obrigado retomar.
Em primeiro lugar, a Constituição Federal é imperativa no sentido de que a saúde é um direito fundamental. A participação do setor privado nessa área deve obediência ao espírito da Norma Fundamental. Quanto a ANS, que deve regulamentar o setor, ela deve fazê-lo em proteção do consumidor e não o contrário. O imponderável deve ser arcado pelas empresas e não pelo usuário. A única coisa que deve ser excluída do plano de saúde, portanto, é aquele segmento não contratado pelo consumidor. Se o plano não prevê apartamento como modalidade de internação ou não prevê odontologia, não se pode obrigar o plano a incluí-los.
Em segundo lugar, o julgamento trará maior pressão sobre o SUS. Mesmo recebendo em dia as mensalidades dos usuários, as entidades privadas vão empurrar para o Poder Público, financiado pelos tributos pagos por todos (por quem tem plano e por quem não tem), o dever de atender aqueles excluídos por uma interpretação taxativa.
Em terceiro, não há prejuízo no setor, mesmo que a maior parte da jurisprudência, há pelo menos 20 anos, considere o rol exemplificativo. Menos brasileiros estão contratando os planos, em razão das sucessivas crises que o Brasil experimenta, mas o lucro líquido per capita dos planos de saúde mais do que dobrou nos últimos quatro anos e a receita do setor aumentou, mesmo com a queda no número de usuários. O lucro das operadoras é da casa de bilhões.
Em último lugar. O argumento de que a maior previsibilidade tratará barateamento aos planos é uma falácia. Considerando que a competitividade no setor não é tão alta, o desafogo será internalizado como lucro e não como diminuição no preço dos planos. Já vimos isso acontecer em vários outros casos.
O julgamento, portanto, foi uma derrota para o consumidor usuário de planos de saúde. Mas, o STJ fez tudo, menos pacificar a questão. Nossa sugestão ao ouvinte é que, havendo forte indicativo do seu médico por um determinado tratamento não previsto pelo plano, busque a maior quantidade possível de informações sobre a via indicada pelo profissional. Se as hipóteses terapêuticas já previstas tiverem sido utilizadas, porém sem sucesso, a via do Judiciário para fazer valer seu direito é uma hipótese a ser considerada.
Alberto Tapeocy, para Coluna “Direitos Fundamentais” da Rádio CBN Amazônia/Rio Branco, toda quinta, a partir das 7h.