Sousa, Melo & Tapeocy Advogados

A REDUÇÃO DA ALÍQUOTA DO ICMS PELA UNIÃO E O DESRESPEITO AO PACTO FEDERATIVO

No emaranhado tributário que temos no Brasil, uma federação que privilegia a União Federal com boa parte da arrecadação sobre a riqueza da população, deixando os Estados e Municípios na dependência dos fundos de participação desse bolo de tributos, cada lei ou ação judicial julgada pelo STF que trate sobre o tema vira uma novela, com ares de drama mexicano.

Nos últimos dias, temos visto a queda de braço entre a União e os Estados quanto ao estabelecimento das alíquotas do ICMS sobre os combustíveis e a energia elétrica. De um lado, a União, liderada por um presidente preocupado com sua reeleição e diante de uma disparada do preço do petróleo em todo o mundo, tenta limitar em 17% a alíquota do ICMS cobrado sobre esses dois itens. Do outro lado, temos os Estados, que, de acordo com nossa Constituição Federal, são os Entes responsáveis pela instituição desse tributo, buscam desesperadamente não se verem desfalcados em seus orçamentos pela perda de arrecadação que a nova legislação vai causar.

Há, pelo menos, dois aspectos que devem ser considerados nessa história.

Primeiro, ao realizar a alteração da legislação do principal tributo de arrecadação dos Estados, sem nenhum acordo entre eles, sem qualquer estudo sobre o impacto fiscal que isso causará nos cofres que os governadores têm para cumprir com suas responsabilidades, ou seja, para usarmos uma expressão bem popular, sem “combinar com os Russos” o resultado dessa alteração, a União acabou por desrespeitar o pacto federativo e a autonomia política, financeira, orçamentária e tributária dos Estados.

Não se pode esquecer que nosso país, em sua organização política, é uma Federação. Cada Ente que compõe essa Federação (União, Estados, Distrito Federal e os Municípios) possui responsabilidades e competências. Para que cada um cumpra seu papel, a Constituição dá autonomia para que se organizem internamente, bem como prevê de onde sairá o dinheiro, para que eles sobrevivam e concretizem as políticas que lhes cabem.

A cada ano, todos os Entes devem aprovar o orçamento do ano seguinte, assim como uma família deve definir como gastará seu dinheiro em um determinado período. Esse orçamento é definido tendo-se uma expectativa de arrecadação que, por vezes, pode ser frustrada. Se essa frustração se dá por uma diminuição na atividade econômica do país é algo que todos os entes precisam lidar, como os fatos da vida. Agora, se essa arrecadação não se realiza porque um dos jogadores quebra as regras do jogo no meio da partida, aí temos um grave problema. O pacto firmado é desrespeitado. E é isso que União fez.

Para que nosso ouvinte entenda, boa parte do que se arrecada com ICMS no país compõe os fundos e orçamentos que são destinados a saúde e educação. Com a medida imposta pela União, em fazer diminuir a alíquota de 25 para 17% (para ficar com o exemplo do Estado do Acre), alguns especialistas afirmam que haverá diminuição de 30% da arrecadação tributária dos Estados. Isso não é pouco. E, o pior, as medidas de compensação que estavam previstas na nova legislação foram todas vetadas por Bolsonaro.

Em segundo lugar, não há nenhuma garantia de que a diminuição de alguns centavos na arrecadação do ICMS dos Estados vai se refletir no preço dos combustíveis para o contribuinte. Inicialmente porque, estando em um país de livre mercado, em que é o empresário quem define seus preços, o desconto tributário pode virar apenas uma folga para o dono do posto, ou seja, pode virar lucro. Em segundo lugar, e aí a palavra está com os economistas, o que tem pressionado o preço da gasolina e do diesel tem mais a ver com o cenário internacional, de guerra e recessão em razão da pandemia, e a política de preços do petróleo, que foi definida ainda no governo Temer, do que com o cálculo de arrecadação dos tributos.

Que os preços dos combustíveis e da energia elétrica têm preocupado cada pai e mãe de família isso é um fato. Só quem precisa do seu carro e de sua moto para trabalhar é que sente como está cada vez mais difícil encher o tanque. É um drama verdadeiro no orçamento doméstico de cada casa. Entretanto, não serão medidas populistas e eleitoreiras, sem qualquer conexão com os efeitos colaterais, que resolverão esse caso. Não existe fórmula mágica. Ou os Entes federativos entram em um acordo, ou veremos sérios problemas na gestão fiscal dos poderes públicos.

Alberto Tapeocy, para Coluna “Direitos Fundamentais” da Rádio CBN Amazônia/Rio Branco, toda quinta, a partir das 7h.

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