Nesta semana, dia 20, noticiou-se a divergência entre as conclusões do Ministério Público e a Polícia Civil do Paraná, acerca das motivações que teriam levado ao trágico assassinato de um integrante do Partido dos Trabalhadores da cidade de Foz do Iguaçu/PR, ocorrido no dia 9 deste mês, durante sua festa de aniversário, que tinha como tema, o ex-Presidente Lula.
Como todos já sabem, o assassino, preso em flagrante, é um declarado apoiador do Presidente Bolsonaro. A conclusão inicial da Delegada da Polícia Civil neste caso foi um alento para o Palácio do Planalto, pois havia sido descartada a motivação política do crime. Entretanto, após inúmeras críticas de políticos e juristas, o MP ofereceu uma denúncia com conclusão diferente da polícia.
Diante disso, tento responder algumas perguntas que podem estar passando na cabeça de nosso ouvinte.
Inicialmente, essa divergência entre polícia e MP é possível? Um promotor, mesmo não tendo participado do inquérito policial, pode chegar a um parecer diferente de um Delegado?
Sim. Pode e isso é bastante comum. Primeiro porque é função institucional do Ministério Público promover, privativamente, ou seja, com exclusão de outras instituições, a ação penal pública. Quem denuncia, portanto, os criminosos para serem julgados pela Justiça não é a polícia, mas, sim, o Ministério Público. Em segundo lugar, a Constituição Federal garante aos promotores e procuradores de Justiça o que chamamos de independência funcional. Ou seja, ainda que os chefes dos promotores que ofereceram a denúncia discordassem da classificação penal dada, essa conclusão não poderia ser alterada na peça de acusação, exatamente porque cada membro é totalmente independente do ponto de vista da função que exercem.
Outra pergunta: estamos ou não diante de um crime político?
Respondendo diretamente a essa pergunta: não. Não estamos diante de um crime político, porque essa espécie de crime, segundo a melhor doutrina do direito penal, é aquela que atenta contra a ordem política de forma ampla. Seriam os crimes que atentam contra o Estado Democrático, contra suas Instituições, contra os poderes constitucionais. Tais crimes, segundo nossa Carta Política, são de competência da Justiça Federal. Hoje estão tipificados no Código Penal, que teve essa parte alterada pela Lei n. 14.197/2021.
Não se pode esquecer que essa lei foi responsável pela revogação da chamada Lei de Segurança Nacional, uma lei da época da Ditadura Militar, que continuava a ser usada pelo STF, inclusive no chamado Inquérito do Fim do Mundo, em que pese muitos juristas considerarem que a antiga lei não havia sido recepcionada pela Constituição de 88.
Apesar de não ser um crime político, a conclusão de que houve motivação política para a prática do homicídio é válida e pode ser sustentada. Afinal, teria havido crime se não houvesse a divergência política entre criminoso e vítima? A discussão teria ocorrido se não fosse a temática política da festa? Se as respostas dessas perguntas forem negativas, então, estamos, sim, diante de um crime comum, cujo bem jurídico atingido foi a vida humana (e não o Estado Democrático de Direito e, por isso, não pode ser classificado como crime político), mas com motivação fútil, esta consistente na divergência política entre os envolvidos no crime. Então, pode-se afirmar que foi um crime com motivação política.
Isso é importante porque uma das funções do Direito Penal é passar a informação à sociedade de que determinadas condutas e determinados ataques a bens jurídicos não são aceitos para a convivência entre as pessoas. O Direito Penal cumpre a mais grave forma de intervenção na vida de um indivíduo. A correta fundamentação de uma sentença penal é um recado para todos – esse tipo de crime não é aceitável. Recado importantíssimo em um ano eleitoral, com uma disputa política cujos discursos e atitudes têm se tornado cada dia mais agressivos.
Que os fatos de Foz do Iguaçu possam nos levar à reflexão e nos ajudem a lembrar que o nosso vizinho, com quem, porventura, não concordamos politicamente, não é nosso inimigo e, definitivamente, não estamos no meio de uma guerra civil.
Alberto Tapeocy, para Coluna “Direitos Fundamentais” da Rádio CBN Amazônia/Rio Branco, toda quinta, a partir das 7h.