Em 2011, o cinema lançou o filme “O Preço do Amanhã”, com direção e roteiro de Andrew Niccol e atuações de Amanda Seyfried e Justin Timberlake, que retrata uma sociedade, num futuro próximo, em que, para evitar a superpopulação, o envelhecimento das pessoas passa a ser controlado. Para se viver mais do que 25 anos (idade limite para todos, por modificação genética) você precisaria comprar tempo, literalmente. O tempo é um recurso extremamente valioso nessa obra ficcional e, como era de se esperar, somente os ricos conseguem envelhecer, porque têm condições de compra-lo. Já os pobres, a estes só resta viver o que for possível até o limite estabelecido.
Na vida real, o tempo também é um recurso valioso. Afinal, nossas vidas nada mais são do que uma medida de tempo. Alguns têm um pouco mais. Outros, menos. O dia e hora do nascimento são conhecidos. Já do nosso fim, não. Entretanto, o tempo que temos entre o nosso nascimento e nossa morte é a medida de nossa vida e isso é, sim, muito valioso e está relacionado, intimamente, com os direitos da personalidade de cada homem e mulher em nossa ordem constitucional.
Infelizmente, numa sociedade de consumo de massa, em que serviços são ofertados de forma padronizada e a contratação se dá por meio de adesão, sem nenhuma ou pouca liberdade de negociação por parte do consumidor, muitas empresas acabam tratando o tempo do consumidor como algo de pouco valor.
Quem nunca passou horas nas filas de bancos? Ou nas filas de supermercado, enquanto vários caixas estão fechados? Ou, então, horas de espera numa ligação telefônica, para resolver problemas que você não deu causa?
Classicamente, os tribunais que analisavam reclamações de consumidores acerca desse tempo excessivo gasto tratavam essas situações como meros aborrecimentos. Situações que geram algum incômodo, mas que são incapazes de gerar dano moral indenizável. Seriam parte do dia-a-dia do “viver em sociedade”.
Entretanto, nos últimos anos, a partir de uma teoria criada pelo doutrinador Marcos Dessaune, especialista em defesa do consumidor, essa história tem mudado. A teoria do desvio produtivo começou a ser aplicada nos tribunais e hoje é debatida em todo o país e tem milhares de menções em Acórdãos, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, que é a corte máxima para analisar questões infraconstitucionais. Já são mais de 20 mil citações e já está começando a ser aplicada em outras áreas do Direito, como Direito Administrativo (nas relações entre os cidadãos em o Poder Público) e Direito do Trabalho (entre empregados e empregadores).
Em maio deste ano, o STJ resolveu julgar, pelo rito dos recursos repetitivos, pacificando a própria jurisprudência, se a perda de tempo em filas de bancos, acima do tempo definido em normas específicas, é geradora de dano moral in re ipsa, ou seja, de forma presumida. Se o julgamento for favorável ao consumidor, não será este que terá o ônus de provar o valor do seu tempo, mas será o banco que terá que demonstrar que não houve nenhum dano.
Em Rio Branco, por exemplo, desde 2006 temos uma lei que limita a 30 minutos o tempo máximo de espera para atendimento nas instituições financeiras de nossa Capital (Lei Municipal n. 1.610/2006). A constitucionalidade desses tipos de lei foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal em 2010, pois seriam assuntos de interesse local, de competência dos municípios. É, portanto, totalmente válida essa lei.
A teoria do desvio produtivo foi acolhida por uma lei do Estado do Amazonas. Em nosso vizinho, o tempo do consumidor já foi considerado um valor jurídico que, se não for devidamente respeitado pelas empresas, deve ser indenizado.
Agora, essa teoria pode se tornar aplicável, por lei, em todo território nacional. Foi proposto o Projeto de Lei 1954/22, de autoria do Deputado Carlos Veras (PT/PE), em que considera o tempo como um bem de valor jurídico essencial para o exercício dos direitos da personalidade. O projeto obriga os fornecedores a envidarem todos os esforços para a melhoria no atendimento dos consumidores e práticas contrárias serão consideradas abusivas e indenizáveis, independentemente de danos materiais e morais com outra justificativa.
Entre as hipóteses geradoras de indenização, serão consideradas, além do excessivo tempo para atendimento do consumidor em filas, o não cumprimento de prazos para resolução de problemas, a perda de tempo com robochamadas, as constantes ligações por parte das empresas, mesmo em dias de finais de semana e feriados, além de outras hipóteses a critério do juiz.
Além da indenização, o projeto, se virar lei, pretende instituir multas para as empresas que desrespeitarem o consumidor, mas cria um selo de “amigo do tempo do consumidor” aos fornecedores e prestadores de serviço que respeitarem esse direito.
Um projeto de lei que vale a pena todo brasileiro acompanhar e cobrar de seu representante no congresso a devida aprovação.