Sousa, Melo & Tapeocy Advogados

Soltura de Sérgio Cabral, como é possível?

Como pode um condenado pela Justiça a mais de 430 anos de prisão, por graves crimes de corrupção, ser liberado para ir para casa? Eis o que muitos brasileiros se perguntaram acerca da soltura do ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, por decisão por maioria do Supremo Tribunal Federal, com voto decisivo pelo desempate do Ministro Gilmar Mendes, dado na última sexta-feira, dia 16 de dezembro de 2022.

Por que Sérgio Cabral foi preso?
Apenas para rememorar o caso, Sérgio Cabral teve sua primeira prisão preventiva decretada em 2016, pelo então juiz Sérgio Moro, no âmbito da operação Lava Jato, por esquema de corrupção nas obras do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (COMPERJ).

De lá pra cá, o ex-governador foi alvo de outros 25 processos, todos decorrentes da mesma operação, que lhe renderam 5 ordens de prisão do tipo cautelar, ou seja, aquela que é decretada antes do fim do processo, sem uma condenação definitiva. Dessas prisões, com a última decisão do STF, três foram revogadas, mediante condições impostas, e duas foram convertidas em prisão domiciliar. Sérgio Cabral, portanto, vai responder ao restante dos processos do conforto de seu lar.

Esse caso fez reacender duas questões que são sempre debatidas no Brasil, quando o tema envolve prisão de pessoas que praticaram crimes.

A primeira é quanto a utilização de prisões do tipo cautelar. Aí precisamos lembrar do que diz nossa Constituição Federal e a legislação vigente. Segundo nosso Texto Maior, a regra é a liberdade. Ninguém pode ser levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança (art. 5º, LXVI).

Além disso, diz o Código de Processo Penal que as medidas cautelares, entre as quais temos aí as prisões preventiva e temporária, podem ser aplicadas para se garantir o resultado de uma investigação, quando o criminoso demonstra ter poderes para atrapalhar a investigação, para garantir a ordem pública e a ordem econômica, que é o caso da liberdade do acusado ser tão gravosa que essas duas circunstâncias se mostram em perigo, e para garantir a aplicação da lei penal, ou seja, haja fundado temor de que o criminoso pode se evadir para não responder pelos seus crimes.

Ocorre que esses tipos de prisões são de caráter temporário e só podem ser mantidas enquanto forem estritamente necessárias. É assim que nossos tribunais sempre interpretaram o conjunto de normas que rege a matéria.

Prisão temporária.
No caso da prisão temporária, ela tem um prazo curtíssimo de 5 dias, prorrogáveis por mais 5. Se o caso envolver crimes hediondos, este prazo é de 30 dias, prorrogáveis por mais 30 dias. Já no caso da preventiva, esta não tem uma limitação máxima. Somente uma obrigação legal ao juiz para reavaliação das condições a cada 90 dias. O que quer dizer é que, enquanto os fundamentos da preventiva estiverem presentes, ela pode ser mantida. Entretanto, no caso de Sérgio Cabral, esses fundamentos vinham sendo mantidos há mais de 6 anos o que, conforme disse o Min. Gilmar Mendes, já se caracterizava em verdadeira antecipação de pena, o que não é permitido por nossa Constituição.

Trânsito em julgado definitivo.
O outro debate é sobre a prisão antes do trânsito em julgado definitivo da sentença penal condenatória. Conforme se sabe, durante anos prevaleceu o entendimento da possibilidade de prisão após a condenação em segunda instância. Aqui, o debate é sobre a possibilidade, ou não, de se antecipar a aplicação da pena.

Como se sabe, desde 2019, com um placar apertado de 6×5, o STF passou a considerar que a prisão antes do fim total do julgamento de uma pessoa não autoriza a aplicação imediata da sentença. Deve-se aguardar o fim do processo, pois a Constituição afirma que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Em ambos os debates, o que está em jogo é o respeito a direitos fundamentais garantidos constitucionalmente, e ninguém haverá de discordar que a liberdade é um dos direitos mais essenciais de um cidadão, diante dos desafios institucionais que o Brasil possui no combate à criminalidade organizada, na repressão da impunidade, na punição do crime violento e no enfrentamento da corrupção (palavras do STF nas ADIs 6581 e 6582).

Ver um Sérgio Cabral ser solto, assim como em outros casos de réus confessos que cometeram graves crimes, é um tapa na cara do cidadão comum, que sente que a Justiça parece não funcionar para quem tem dinheiro e poder.

Seria o crime uma via que se compensa?
Eis a pergunta. Entretanto, ainda que se entenda que o sentimento de injustiça é natural em casos assim, nada faz valer a pena combater crimes, por mais graves que sejam, se o Estado não respeitar suas próprias leis.

O devido processo legal, que acaba envolvendo todo esse debate sobre a aplicação dos diversos tipos de prisões, é um dos mais “comezinhos direitos” que separam um Estado do vale-tudo, um Estado de justiçamento, um Estado de Justiceiros, daquele Estado que está realmente fundado na democracia e no Direito. O Estado é escravo da lei.

No tocante aos criminosos, cabe ao Estado o dever de aprimorar seus instrumentos de persecução penal, para que se tenha uma investigação e julgamento mais céleres e, assim, busque-se o sonhado equilíbrio entre a garantia da lei e da ordem na sociedade e o respeito aos direitos fundamentais dos seus indivíduos.

Eu sou Alberto Tapeocy, esse foi mais um conteúdo para Coluna “Direitos Fundamentais” da Rádio CBN Amazônia/Rio Branco, toda quinta, a partir das 7h. Até a próxima!

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