O ano mal começou e os acreanos já se depararam com dois casos claros de racismo que chocaram nosso Estado e que, infelizmente, são apenas casos gritantes de contínuas violações de direitos que a população preta do nosso país passa.
Em janeiro, ficamos sabendo do caso do delegado, Dr. Samuel Mendes, que tentou atender um idoso, que pretendia prestar uma queixa contra sua vizinha, mas acabou praticando ato discriminatório contra aquela autoridade. Já em fevereiro, o motoboy Alessandro Martins postou imagens de uma mulher em fúria proferindo xingamentos racistas contra ele. Nem mesmo a câmera do celular ligada intimidou a racista.
Interessante tratar deste caso para destacar uma recente mudança legal, extremamente importante. Para quem não sabe, atos como o dessa senhora, que segundo informações, encontra-se internada por questões psiquiátricas (estratégia muito utilizada para justificar ataques descontrolados como o que vimos), até bem pouco tempo não eram considerados racismo, do ponto de vista da lei.
Até o dia 11 de janeiro deste ano, atitudes como as dela eram classificadas dentro do Código Penal como injúria racial, um crime que tinha uma pena de 1 a 3 anos. Agora, o crime passou para dentro da Lei n. 7716/89, conhecida como Lei do Racismo, e hoje é efetivamente um crime de racismo, com pena aumentada entre 2 e 5 anos e multa. Em razão dessa classificação, agora é um crime inafiançável e imprescritível, conforme determina nossa Constituição Federal.
Essa nova lei (14.532/2023) manteve a possibilidade de se considerar racismo os casos de discriminação ou ofensas em razão, também, da procedência nacional. Isso inclui aqueles famosos casos de xenofobia praticados contra pessoas de determinadas regiões do país por causa do resultado das eleições.
A lei também acrescentou uma pena base maior para as hipóteses em que a prática do racismo for por meio de jornais, revistas, redes sociais, na internet ou publicação de qualquer natureza. Foram previstas, ainda, duas hipóteses de aumento da pena, de 1/3 até a metade, sendo a primeira quando o racismo for praticado em contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação. O segundo caso é quando o ato discriminatório for praticado por funcionário público.
A lei, ainda, determina que o juiz, quando for interpretar a lei, deve considerar como discriminatória qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida.
A única coisa que a lei poderia ter tratado, mas perdeu essa oportunidade, era a equiparação dos atos de homofobia ao racismo, situação criada jurisprudencialmente pelo STF, na ADO 26. O correto é que qualquer crime seja efetivamente previsto em lei no sentido estrito e não por analogia. Essa era uma situação que poderia ter sido resolvida. De toda forma, continua em vigor o entendimento da Suprema Corte de que atos de homofobia podem receber o mesmo tratamento de atos racistas.
Não se pode negar que os casos que vimos aqui no Acre são apenas a ponta do iceberg de inúmeros casos de preconceito e discriminação praticados no país, seja por questões de cor, seja por questões de região do país ou, ainda, referente a questões religiosas. Os brasileiros, no passado, sempre se orgulharam de não promover segregação. Entretanto, o racismo, no Brasil, muitas vezes mostra sua face de forma velada, atentando contra um dos princípios que regem nossa República nas suas relações internacionais, conforme afirma nossa Carta Magna (art. 4º, VIII).
O mito de que somos um país sem racismo precisa ser expurgado. Nossa nação já sofreu, inclusive, condenações no âmbito internacional, mais especificamente na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, no famoso caso Simone André Diniz. Foi um contencioso internacional, em que essa senhora levou o país àquele órgão, porque as nossas autoridades se omitiram em aplicar a legislação que visa ao combate do racismo. Na década de 90, ela tentou se candidatar a uma vaga de emprego doméstico, mas não pode se inscrever, pois o cargo era somente para pessoas brancas.
Um tratamento apenas do ponto de vista criminal não será capaz de resolver completamente essa chaga. Não somente o Direito, em todos os seus âmbitos, deve ter uma aplicação antirracista, mas toda a sociedade precisa promover uma cultura contra qualquer tipo de violação por questões de cor, reconhecendo uma histórica segregação da população negra em nosso país, a fim de que as estruturas possam ter a devida representatividade da nossa população.
Como diz o mote conhecido nas redes sociais, não basta não ser racista. É necessário ser antirracista, combatendo atos de discriminação e promovendo a inclusão de todas as etnias em nosso país nas esferas de influência da sociedade.
Eu sou Alberto Tapeocy, esse foi mais um conteúdo para Coluna “Direitos Fundamentais” da Rádio CBN Amazônia/Rio Branco, toda quinta, a partir das 7h. Até a próxima!