No início deste ano, a Justiça mineira divulgou um caso interessante, que pode se tornar mais um complicador nas complexas relações afetivas.
Segundo se divulgou , um casal tentou lavrar no cartório um pacto antenupcial para prever uma multa de 180 mil reais no caso de qualquer dos nubentes viessem a praticar adultério durante o futuro casamento. Inicialmente, o casal não foi bem sucedido, pois teve seu pedido negado.
A tabeliã não fez o registro devido, argumentando que, por se tratar de um pacto antenupcial, seu objeto deveria ser somente o regime de bens do casal.
No Brasil, ao entrar em um casamento, existem regras que regem a relação jurídica que ambos manterão durante toda a sua vida. Além das regras de mútua assistência, dever de respeito e consideração de um para com o outro, dever de sustento, guarda e educação dos filhos, dentre outras, existem regras que vão reger a relação desse casal com os bens que estão levando para dentro do casamento, se existirem, e aqueles que vão adquirir durante toda a sua vida. Estamos falando do regime de bens.
O regime mais comum no Brasil é o da comunhão parcial de bens, no qual pertencem a ambos os cônjuges todos os bens adquiridos após o casamento, com algumas exceções, excluindo-se os bens anteriores. Se não houver nenhuma estipulação contrária do casal, este é o regime imposto pela lei.
Entretanto, um casal pode livremente optar por outros regimes e devem fazê-lo por meio de um instrumento jurídico chamado pacto antenupcial. Em regra, o pacto serve para definir um regime de bens diferente daquele previsto na regra geral. E foi a isso que se apegou a tabeliã. Recusou-se a lavrar o acordo, pois considerou aquela previsão de multa uma cláusula exorbitante, de caráter extrapatrimonial.
Entretanto, com a insistência do casal, a tabeliã levou a dúvida à juíza responsável pela correição dos cartórios extrajudiciais de sua região. E aí, veio a resposta do Judiciário, afirmando que, sim, por mais estranho que pareça a um pacto antenupcial, é possível que os noivos façam livres estipulações.
Neste caso, deve prevalecer a autonomia das partes e a mínima intervenção do Poder Público na relação das pessoas. Tudo o que não for proibido pela lei, pode ser adicionado, portanto, ao pacto entre os noivos. No caso concreto, o dever de fidelidade está previsto em lei. A multa só serviria para reforçar esse dever. Não haveria contrariedade à legislação brasileira.
Essa foi uma decisão interessante, que prestigiou a mínima intervenção estatal na vida privada das pessoas. Assim como num acordo em sociedades mercantis ou na contratação entre pessoas em pé de igualdade, em que pese alguns não acreditarem no casamento, mas este pode e deve ser construído pelas pessoas dentro da melhor forma que encontrarem. É estranha a previsão de multa, pois pode parecer uma desconfiança prévia de ambas as partes.
Entretanto, se esta é a forma que o casal encontrou para viver em harmonia, o Estado não deve impedir. Somente quando os particulares querem infringir a lei é que a intervenção deve acontecer. Esta deveria ser a regra, sempre.
Eu sou Alberto Tapeocy, esse foi mais um conteúdo para Coluna “Direitos Fundamentais” da Rádio CBN Amazônia/Rio Branco, toda quinta, a partir das 7h.