Na terça-feira, por unanimidade, o Tribunal Superior Eleitoral indeferiu o registro de candidatura do deputado federal, ex-Procurador da República e um dos principais expoentes da Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol.
O fundamento dessa derrota, que abalou o mundo político, foi um item inserido na Lei de Inelegibilidades pela Lei da Ficha Limpa, que teve como um dos seus maiores defensores e promotores exatamente o deputado que perdeu seu registro nesta semana. Ironias do destino, enfim, a lei sendo aplicada a todos, independentemente de quem seja.
Mas, será que a lei foi corretamente aplicada? O debate jurídico se instalou imediatamente.
Isso porque o fundamento utilizado nas ações para reconhecer a inelegibilidade do deputado federal foi a existência de Processos Administrativos Disciplinares, conhecidos pela sigla PAD, quando houve o pedido de exoneração do cargo de Procurador da República. Efetivamente esses processos não estavam instaurados. Mesmo assim, o relator do caso, Min. Benedito Gonçalves, acabou por entender que houve fraude à lei e, por tal razão, o registro da candidatura deveria ser indeferido.
As acusações levantadas pelo consórcio de partidos
Para nosso leitor compreender, foram duas as acusações levantadas pelo consórcio de partidos formado pelo PT, PCdoB, PV, e também, pelo PMN. A primeira, a que acabei de mencionar, consiste no fato de que Dallagnol pediu exoneração do cargo de procurador da República para contornar a possibilidade concreta de que 15 procedimentos administrativos fossem convertidos em processos disciplinares e, quando isso acontecesse, atrairia a causa de inelegibilidade. A segunda acusação foi o fato de Dallagnol ter tido suas contas públicas rejeitadas pelo Tribunal de Contas da União por irregularidades no pagamento de diárias e passagens a membros da Lava Jato.
Em relação às contas públicas é verdade que o TCU rejeitou as contas do ex-Procurador. Entretanto, o candidato, na época em que registrou sua candidatura, conseguiu uma liminar na Justiça dando efeito suspensivo ao processo que corre naquela Corte de Contas. Então, por esse fato, o TSE não cassou o registro da candidatura.
Contudo, a outra acusação foi aceita. E não porque existissem processos administrativos disciplinares contra Dallagnol quando ele pediu sua exoneração. Eles não existiam. Esse foi o grande ponto da defesa do deputado. E está assumido no próprio voto do Ministro.
O que havia, à época do pedido de registro da candidatura, eram procedimentos administrativos de outra natureza, que investigavam a possibilidade de práticas ilícitas por parte do Procurador da República, mas ainda não eram de natureza disciplinar.
A manobra de Dallagnol e a conclusão do TSE
Deltan já havia sido apenado em outros processos disciplinares anteriores com censura e advertência. Com essas penalidades no currículo, a possibilidade de que os outros processos que tramitavam contra ele, caso viessem a se transformar em processos disciplinares, poderiam levar a sua demissão do cargo. O que o TSE, portanto, entendeu, é que o fato de ter pedido exoneração, muito tempo antes do período normal de desincompatibilização do cargo, foi uma manobra que Dallagnol encontrou para impedir que viesse a responder por PADs. Deltan Dallagnol, para o TSE, fraudou a lei. Esse foi o fundamento do indeferimento do registro da sua candidatura.
Alguns problemas podem se vislumbrar a partir desse julgamento do TSE. Primeiro deles, impedir a capacidade eleitoral passiva de um cidadão é algo extremamente grave e que requer do julgador a estrita observância das regras de Direito previstas na Constituição e nas leis.
O exercício de prognóstico do Tribunal
Em que pese todo o esforço argumentativo do voto do Relator, o certo é que houve um exercício de prognóstico por parte do Tribunal acerca do futuro daqueles processos que corriam contra o deputado quando era procurador. Responder por um processo administrativo, especialmente na posição que ocupou de investigador e líder de uma das maiores operações contra corrupção que já foi vista na história recente do país (sem fazer nenhum juízo de mérito), seria algo totalmente esperado, especialmente quando o principal investigado obteve sucesso na anulação de suas condenações (hoje, inclusive, ocupando a cadeira mais alta da República). Para chegar à conclusão de que fraudou a lei, o TSE considerou a probabilidade daqueles processos que corriam perante o Conselho Nacional do Ministério Público virarem processos disciplinares. Algo possível, mas não certo juridicamente falando.
A conclusão desses processos ficou em suspenso em razão do pedido de exoneração. Mas daí partir do pressuposto de certeza que se tornariam PADs é fazer um esforço de futurologia e fundamentar o indeferimento de um registro de um direito fundamental de um cidadão nessa probabilidade é um terreno, para dizer o mínimo, perigoso.
Além disso, estamos tratando, na prática, da cassação da vontade popular de mais de 300 mil eleitores paranaenses. Afastar o princípio democrático e a legitimidade recebida pelo congressista exigiria do Tribunal uma legalidade mais estrita. Para o indeferimento, era essencial a existência de processos administrativos disciplinares, que é a causa prevista em lei para membros do Ministério Público que pedem exoneração para se candidatar.
Infelizmente, a decisão virou objeto de verdadeiras torcidas organizadas pró e contra o deputado, com a suspeição de que foi mais um movimento político de vingança. Se até mesmo entre os operadores do Direito a decisão tomada pelo Tribunal não escapou do debate, imagina-se o que não passa na cabeça do cidadão médio que assistiu ao resultado desse julgamento. Mais um tempero para as disputas e discursos políticos a partir das decisões judiciais.
Essa foi mais uma edição da Coluna “Direitos Fundamentais” na Rádio CBN Amazônia/Rio Branco, comigo, Alberto Tapeocy. Não perca os próximos programas todas as quintas-feiras, a partir das 7h, para se manter atualizado sobre seus direitos fundamentais.