Essa semana, enquanto ocorria a sabatina do futuro ministro do STF, Cristiano Zanin, a Corte Suprema deu continuidade a um julgamento extremamente importante para o processo penal brasileiro e para a garantia de direitos fundamentais daqueles que são investigados pelo Estado pela prática de crimes.
No seio do chamado Pacote Anticrime, aprovado ainda no primeiro ano do governo Bolsonaro em 2019, houve a inserção do chamado Juiz das Garantias pelo Congresso Nacional, contra a vontade do então Ministro da Justiça, ex-juiz federal Sérgio Moro, hoje senador da República.
É a constitucionalidade desse novo ator dentro do processo penal brasileiro que está sendo julgada pelo Supremo Tribunal Federal.
O Papel do Juiz das Garantias na Proteção dos Direitos Fundamentais
Mas, o que é o juiz das garantias? Para responder, é bom esclarecer ao nosso ouvinte que, para alguém ser responsabilizado penalmente (forma mais grave que o Estado pode intervir na vida de um cidadão), privando-o de sua liberdade, deve ser observado o devido processo legal, com todas as garantias previstas na constituição e na lei.
A persecução penal brasileira tem, em regra, pelo menos duas fases. A primeira é pré-processual, ou seja, é anterior ao processo judicial e é dirigida por uma Autoridade Policial. Em geral, esse instrumento é o inquérito policial. É nessa fase que a polícia deve juntar todas as provas para elucidar a prática de um crime, respondendo as principais perguntas, especialmente aquelas relacionadas à autoria e materialidade do crime.
Essa fase do inquérito tem grande participação do Ministério Público, pois é esta a instituição que detém, no nosso direito, a legitimidade para exercer a ação penal pública, ou seja, é o membro do Ministério Público que deve oferecer à Justiça as denúncias contra aqueles que foram investigados pela polícia.
Somente com a denúncia é que temos o início da fase processual, com o processo penal propriamente dito. Nessa fase, o investigado se torna réu e deve ter todas as garantias de ampla defesa e contraditório respeitados.
Entretanto, ainda na fase do inquérito, a polícia só pode adotar certas medidas se houver a decisão de um magistrado, pois são decisões graves e que interferem em direitos fundamentais do indivíduo. Cito, como exemplo, a prisões cautelares e as quebras dos sigilos telefônico, fiscal e bancário.
O que se discute é: o magistrado que participou dessa fase investigatória, deferindo medidas graves contra os investigados, teria a imparcialidade necessária para julgar o processo penal formado a partir desse mesmo inquérito? O magistrado não seria influenciado a condenar o réu, uma vez que foi um dos que ajudou na formação do caderno de provas contra o réu? E quanto às possíveis nulidades da fase do inquérito, o magistrado não teria resistência em reconhecê-las, uma vez que ele foi um dos atores desse procedimento supostamente nulo?
Aí nasce, com inspiração em diversas nações da Europa e com experiências na América Latina, a figura do Juiz das Garantias, que seria o magistrado que atuaria exclusivamente nessa fase de investigações, deixando-se a fase do julgamento da ação penal para um outro magistrado que teria, em tese, a isenção necessária para sentenciar.
A advocacia geralmente defende a figura desse novo magistrado, porque traria uma verdadeira imparcialidade e daria condições isonômicas à defesa, diante de um Estado com superpoderes contra os acusados em um processo penal. Já o Poder Judiciário contemporiza, dizendo que não há condições para a implementação de mais um juiz nas comarcas do país.
Implantação do Juiz das Garantias: Desafios e Custos para o Poder Judiciário
O próprio Sérgio Moro usou como um dos argumentos para se colocar contrário a essa medida o fato de que, na época da aprovação da lei, que tinha implantação prevista para o início de 2020, 40% das comarcas brasileiras contavam somente com 01 magistrado. Não estava claro como se daria essa implantação. A reclamação dos Tribunais de Justiça foi geral, por conta do alto custo para tornar o projeto em realidade.
A Experiência Argentina com o Juiz das Garantias: Lições e Desafios
Para se ter uma ideia, na Argentina já existe a figura do juiz das garantias desde a década de 1990, mas ainda hoje está sendo implantada. Nem todas as cidades contam com esse juiz adicional para cuidar dos inquéritos.
Diante disso, desde o nascedouro da lei, o dispositivo foi suspenso pelo Min. Fux dando um fôlego para os Tribunais. O STF deve, portanto, julgar a constitucionalidade desse novo magistrado previsto pela lei, mas, caso seja considerado constitucional, tudo indica que haverá algum respiro para que o Poder Judiciário país afora se prepare para a implantação. O julgamento deve continuar.
Coluna Direitos Fundamentais
Toda quinta-feira, a partir das 7h, você pode acompanhar a coluna “Direitos Fundamentais“ de Alberto Tapeocy na Rádio CBN/Amazônia-Rio Branco. Nessa coluna, ele traz insights e análises sobre questões relacionadas aos direitos fundamentais, oferecendo um olhar crítico e aprofundado sobre temas importantes para a sociedade.