Sousa, Melo & Tapeocy Advogados

Efeito Backlash: O cabo de guerra entre o Congresso Nacional e o STF

O Cabo de Guerra

Quem já teve oportunidade de brincar de cabo de guerra sabe que, no início da brincadeira, especialmente quando há um certo equilíbrio de forças entre os competidores, existe uma grande tensão sobre a corda. Esta, inclusive, precisa ser forte o bastante para não se partir no meio do jogo. Com o tempo, a força de um ou de um dos grupos dos competidores vai acabar se impondo.

O Conflito entre os Poderes

É exatamente esse passatempo que está sendo jogado pelos Poderes Legislativo e Judiciário nas últimas semanas, com diversas notícias veiculadas sobre a tramitação de projetos no Congresso Nacional visando à diminuição ou interferência nos poderes do Supremo Tribunal Federal.

O Papel do STF na Corda Estendida

Hoje, todas as vezes em que esses dois competidores disputam o cabo de guerra, no final do dia, o vencedor é o STF. Isso porque, pelo desenho constitucional que temos, é do Supremo o papel de dizer a última palavra sobre a constitucionalidade das leis que são aprovadas no país. O que o Legislativo deseja é trazer um pouco mais de tensão à corda para quem sabe, ganhar o jogo de vez em quando.

Limitando os Poderes do STF

Ontem, a CCJ do Senado aprovou a PEC 8/21 que busca limitar o prazo dos pedidos de vista que são realizados pelos ministros da Suprema Corte. Esses pedidos são utilizados para o ministro estudar melhor o processo. Entretanto, não eram raros os casos em que esse tempo durava anos até que fosse devolvido para julgamento. Outro objeto da PEC é limitar as decisões individuais dos ministros. Não seria possível se conceder, por decisões monocráticas, liminares para suspender a eficácia de leis ou atos normativos com efeito geral ou que suspenda ato dos presidentes da República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou do Congresso Nacional. Também não seria possível concessão de cautelar de forma individual em casos para suspender a tramitação de propostas legislativas ou que possam afetar políticas públicas ou criar despesas para qualquer Poder. Além disso, nos casos em que forem concedidas as medidas cautelares, o mérito da ação deve ser julgado em até seis meses, caso a PEC seja aprovada.

Reformando o STF

Nesta mesma semana, o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, fez uma declaração em uma entrevista defendendo outra PEC, a de número 16/2019, que visa fixar em oito anos o período dos magistrados no STF. Defende-se, também, a elevação da idade para indicação ao cargo de ministro daquela corte. Atualmente, qualquer cidadão brasileiro com reputação ilibada e notório saber jurídico a partir dos 35 anos de idade pode ser indicado ao cargo. Depois de empossado, esse indicado só sai do STF por vontade própria ou aos 75 anos de idade, com a aposentadoria compulsória. Em tese, um ministro pode passar até 40 anos na Corte. A ideia não é esdrúxula em termos de Cortes Constitucionais. Em Portugal, por exemplo, o Tribunal Constitucional vê os seus membros permanecerem ali pelo prazo de somente 9 anos, não sendo possível a recondução ao cargo.

A Última Palavra

Por fim, o ataque mais ameaçador vem por meio de outra PEC, a de número 50/2023, que busca dar ao Congresso Nacional a última palavra sobre a constitucionalidade das leis. A proposta quer que decisões do STF que tenham transitado em julgado e que extrapolem os limites constitucionais passem por uma deliberação no Legislativo com o rigor do quórum para aprovação de Emendas Constitucionais, ou seja, três quintos dos membros de cada Casa legislativa, em dois turnos.

O Efeito Backlash

Todo esse movimento que vemos se desenhando chamamos de efeito backlash. Afinal, há algum tempo o Congresso Nacional tem reclamado de invasão dos seus poderes por parte da Suprema Corte. Esse incômodo teria piorado nos últimos meses com o julgamento de alguns temas muito sensíveis, como o da descriminalização do uso da maconha, a declaração de inconstitucionalidade do marco temporal para demarcação de terras indígenas e, mais recentemente, a retomada do julgamento sobre o aborto no caso de gestações de até 12 semanas.

Defendendo a Jurisdição Constitucional

Chamamos de efeito backlash exatamente as reações que são originadas a partir de julgamento sensíveis, que têm a capacidade de alterar o tecido social, que acabam movendo setores da sociedade ou determinadas instituições para barrar tais julgamentos. Foi exatamente o que aconteceu com o caso do marco temporal. No mesmo dia em que o STF encerrou o julgamento, considerando-o inconstitucional, o Senado terminou de aprovar uma nova lei exatamente no sentido contrário. O projeto está hoje no colo do presidente Lula para sanção. A tendência é que seja vetado, até porque, caso vire lei, o STF pode novamente julgar sua constitucionalidade. Não há nada que impeça. Para que isso não aconteça, a solução, portanto, é limitar os poderes do STF na sua origem, mediante as PECs que mencionamos.

Os Desafios da Democracia Constitucional

Esse é um cabo de guerra antigo, que faz parte da política, e pode ter influência direta na qualidade da jurisdição constitucional do país. Pessoalmente, não vislumbro nenhum absurdo nas propostas que buscam diminuir os poderes individuais dos ministros ou limitar o mandato a um prazo específico. Podem ser, inclusive, medidas de aperfeiçoamento da Corte. Entretanto, o controle de constitucionalidade exercido pelo Congresso Nacional,

que teria a última palavra, tem todo o aspecto de ser considerado atentatório à separação dos Poderes, o que seria impossível de ser aprovado diante do §4º do art. 60 da Constituição. Esse é um tema que constitui cláusula pétrea, ou seja, não pode ser alterado nem mesmo por emenda constitucional.

O Papel do STF na Democracia

Que o STF pode tomar decisões vacilantes ou controversas, até mesmo erradas, nos casos que são levados ao seu conhecimento, eu não tenho dúvidas sobre isso. Entretanto, historicamente, suas decisões são menos influenciadas pelos movimentos da política, exatamente porque ao STF cabe o papel de julgar sob os princípios impostos pela Constituição e não pelos “movimentos das ruas” que, não raras vezes, podem também ser equivocados. Isso, para a qualidade do controle de constitucionalidade das leis e atos normativos do país, é essencial. Julgamentos pelo peso dos votos ou pela pressão social não é, de longe, a melhor opção para uma democracia constitucional.

Direitos Fundamentais

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