Sousa, Melo & Tapeocy Advogados

Sou obrigado a atender a empresa em que trabalho nos períodos de folga?

Hoje em dia, com tantos recursos tecnológicos de comunicação, a pergunta “Sou obrigado a atender a empresa em que trabalho nos períodos de folga?” tem sido bastante recorrente, e a resposta não é tão óbvia quanto parece. Abaixo segue a análise de um caso concreto, que nos ajudará a entender os detalhes do problema que envolve o direito à desconexão.

A situação aconteceu no Rio de Janeiro, processo judicial nº 101652-77.2017.5.01.0045, onde uma Analista de Suprimentos buscou ser indenizada pelo tempo dedicado a responder uma colega de trabalho via aplicativo de mensagem “whatsapp”, durante as férias. Segundo ela, tais atividades acabaram por prejudicar a recomposição de sua saúde física e mental, ou seja, teria sido o mesmo que não usufruir do período de descanso.

Durante a audiência, o representante da empresa disse, por sua vez, que a própria Reclamante entrava, espontaneamente, em contato com a sua substituta para saber se estava tudo bem e se precisava de alguma ajuda.

Na sentença, o juiz de primeiro grau considerou que, de fato, durante boa parte do período de férias, a Reclamante não pôde delas usufruir, por estar em constante contato com a outra funcionária que estava na ativa, auxiliando-a e tirando suas dúvidas. Em razão disso, não teria sido respeitado o direito à desconexão, que consiste em o empregado poder, durante os períodos de descanso, se desligar completamente do seu trabalho, podendo inclusive desligar o celular ou não atender ligações e contatos vindos da Empregadora. Por isso considerou as férias como não usufruídas e determinou à empresa o pagamento em dobro.

Não concordando com essa decisão, a empresa interpôs recurso, alegando que a Reclamante não havia trabalhado nas férias, mas apenas tirado algumas dúvidas e auxiliado a pessoa encarregada de fazer seu serviço, ressaltando que a empregada, por vontade própria, visualizava as mensagens e que não havia prova da prestação de trabalho no período.

Assim, o Tribunal encarregado de analisar o recurso modificou a sentença, entendendo que a resposta da Reclamante às dúvidas de outra funcionária era um ato totalmente espontâneo, sem qualquer obrigatoriedade, e, se a Reclamante havia viajado, como ficou registrado em uma das mensagens, foi porque a Analista efetivamente usufruiu do período de descanso, e por isso, deu ganho de causa à Empresa.

Dessa maneira, inconformada, a trabalhadora recorreu ao Tribunal Superior do Trabalho em Brasília, alegando que não houve uma simples ajuda entre colegas e que a empresa deveria ter colocado “uma pessoa apta para exercer a função” sem a importunar durante as férias. Disse ainda que a troca de mensagens não a impediu de viajar, mas de descansar.

Porém, o Ministro Relator do processo no TST se disse impossibilitado de decidir a questão, porque para isso precisaria realizar o reexame do conjunto de provas, o que não seria permitido no Tribunal em Brasília, mas somente no Tribunal de origem, no Rio de Janeiro, e com isso a empresa ganhou a causa definitivamente.

Análise: o direito à desconexão é assegurado ao trabalhador em todos os períodos de descanso, ou seja, nas pausas para alimentação, após o expediente quando vai para casa, nos finais de semana em que usufrui de suas folgas e mesmo durante as férias. Isso significa que o trabalhador tem o direito de desligar o telefone, não atender chamadas ou solicitações em aplicativos de mensagem, usando todo o período de folga para o seu repouso, lazer, convívio com família e amigos, ou até para a realização de outra atividade remunerada, desde que isso não implique em concorrência para o seu empregador.

Assim, a descaracterização do período de descanso somente ocorre se o desrespeito a esses intervalos ocorre de maneira sistemática, habitual, principalmente por quem tem poder de gerência na empresa, ou com a ciência e o consentimento desta. Uma chamada curta, para perguntar algo relativo ao trabalho como “onde você deixou as chaves?”, “você concluiu aquela tarefa?” ou “pode reenviar o email, pois este veio sem o anexo?”, por si só, não descaracterizam o intervalo de repouso.

Por outro lado, o contato constante com o funcionário de férias ou folga, a falta de alguém dentro da empresa que possa tirar dúvidas dos empregados que estão na ativa, a dependência desse empregado de folga para iniciar, concluir ou supervisionar os processos produtivos da empresa são situações que colocam a empresa em uma situação de risco, pois, se comprovado que tais contatos prejudicaram o período de folga, esses devem ser remunerados como tempo de trabalho extraordinário.

Por fim, importante observar a jornada de trabalho dos empregados e, em caso de dúvidas, consultar sempre um advogado trabalhista, tanto no caso do empregado que se sente prejudicado com os contatos fora do seu horário de trabalho, quanto o empregador que deseje gerir seus recursos humanos sem o risco de constituir uma dívida trabalhista.

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