Algumas ações tramitam perante o STF que questionam a constitucionalidade de uma limitação que existia numa lei federal, a de n. 9.713/1998, e ainda existe em diversas leis estaduais, que define em apenas 10% o número de vagas para mulheres nas corporações das Polícias Militares do Estados e do Distrito Federal.
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Menciono que existia essa limitação em lei federal, porque esta semana foi revogado esse dispositivo, não havendo mais a necessidade de sua observância. A nova lei entrou em vigor na última terça-feira, dia 14 de novembro. Mas, vários estados ainda apresentam um percentual mínimo, vetando que as mulheres participem, em igualdade de condições, das demais vagas destinadas exclusivamente para os homens.
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Mas, será que realmente não é possível limitar a participação feminina em concursos desse tipo? A pergunta que pode ser feita, na verdade, é mais ampla. Será que a nossa Constituição permite algum tipo de discriminação em razão do sexo, cor, idade ou outra característica inata dos cidadãos?
Em um primeiro olhar, é possível se defender a tese da inconstitucionalidade dessas leis, uma vez que o princípio da igualdade impõe que todos devem ser tratados sem qualquer tipo de discriminação, inclusive com proibição de processos de admissão que discriminem em razão das diferenças que mencionei. Todos são iguais perante a lei e devem assim ser tratados.
Entretanto, não se pode negar que os seres humanos são todos diferentes entre si. Cada um tem suas próprias habilidades e características que os tornam únicos. E há uma outra regra de justiça que é muito comum. Igualdade não é tratar igualmente quem é desigual, mas a capacidade de se tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades.
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É por tal razão que é possível que se possa, num concurso público, com fundamento em uma lei regularmente aprovada pelos representantes do povo, pensar na possibilidade de haver discriminações que não são inconstitucionais.
Alguns exemplos sempre são citados pelos doutrinadores do Direito, tais como a limitação de candidatos com deficiência, quando o cargo exige a plena capacidade de todos os membros. Ou limitação de determinados cargos em razão da idade do candidato, muito comum em certames policiais, que buscam selecionar candidatos mais jovens para atividades de combate, exigindo maior vigor físico.
Outro exemplo que sempre é citado em manuais e livros de Direito mais tradicionais é a discriminação em razão do sexo dos candidatos. Veja-se, por exemplo, concurso para policiais penais. Para unidades prisionais femininas é patente que serão selecionadas unicamente mulheres para esses cargos, assim como somente serão selecionados homens para os presídios masculinos. Não há nada de inconstitucional nisso.
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Entretanto, os casos que se questionam nas ações diretas de inconstitucionalidade tratam da limitação de acesso ao cargo de policial militar, que tem como missão constitucional o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública. Limitar a apenas 10% dos efetivos das tropas estaduais para as mulheres é razoável? Aliás, alguma limitação seria possível, ainda que com percentual maior ou mais alargado?
Não se pode esquecer que a participação feminina no mercado de trabalho tem evoluído há décadas. De ausência total, inclusive com proibição legal, a participação paulatina, por meio de tropas especificamente femininas, as polícias militares não ficaram de fora da inclusão das mulheres. Isso é parte de um processo maior. E pensar que vivemos um momento histórico de novas tecnologias, novas técnicas de abordagem policial e, sobretudo, o trabalho de inteligência que deve ser a pedra de toque das polícias mais modernas, ajudam a diminuir e muito a necessidade da vantagem física que os homens têm naturalmente sobre as mulheres.
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Ainda assim, essa vantagem física dos homens não pode ser ignorada. Por vezes as polícias militares são chamadas para o confronto com criminosos ou para o controle de multidões que se exige desses profissionais o uso da força, não sendo desconhecido o fato de que, em sua maior parte, o mundo do crime é composto de homens.
É um dilema que o STF precisará decidir. Inicialmente, o relator dessas ações, Min. Cristiano Zanin, entendeu que há plausibilidade nos argumentos pela inconstitucionalidade na limitação de acesso das mulheres aos cargos. Diante disso, ele concedeu algumas liminares, que acabaram por impedir a continuidade dos concursos das PMs do Rio de Janeiro e do Distrito Federal, que estavam acontecendo.
A depender da resposta da Suprema Corte, poderemos ver mais uma barreira da participação das mulheres na sociedade ser quebrada.