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A tese do STF sobre a responsabilidade dos jornais pelo conteúdo de entrevistas

É possível responsabilizar o mensageiro pelo conteúdo da mensagem? Eis a pergunta sobre a qual a Suprema Corte brasileira se debruçou. E, sim, segundo o STF, o carteiro pode responder pelo conteúdo da carta que leva.

Na semana passada, dia 29 de novembro, o Supremo Tribunal Federal aprovou mais uma tese, desta vez voltada para a responsabilidade das empresas jornalísticas quanto ao conteúdo das entrevistas que publicam.

O caso concreto envolveu uma vítima da ditadura militar, que teve sua honra afetada em razão de uma entrevista dada por um delegado ao jornal Diário de Pernambuco. A tese aprovada pelo STF ficou assim:

1. A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia, porém, admitindo a possibilidade posterior de análise e responsabilização, por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, à intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas.

2. Na hipótese de publicação de entrevista, em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se à época da divulgação havia indícios concretos da falsidade da imputação, e o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios.

Que toda liberdade traz consigo responsabilidades é uma verdade que se aprende desde criança. Além disso, algo que sempre repetimos nesta coluna é que não existem direito fundamentais absolutos. Portanto, a liberdade de expressão e, seu corolário, a liberdade de imprensa, são liberdades importantíssimas para uma nação democrática e estão entre as primeiras liberdades garantidas pelos movimentos constitucionalistas do séc. XVIII. Chamamos tais liberdades de direitos de primeira geração.

Mas, juntamente com a liberdade de imprensa e o direito da sociedade de ser informada, outras liberdades também são garantidas com status constitucional idêntico, quais seja, o direito a intimidade, à privacidade, à imagem, à honra, dentre outros que constituem um círculo de garantias do indivíduo frente à sociedade e ao Estado.

Harmonizar esses direitos, o da liberdade de imprensa e direito de informação com o direito à honra e à privacidade, por exemplo, não é tarefa fácil. Ao menos, a tese aprovada pelo STF avança no seguinte sentido – proíbe qualquer espécie de censura prévia, algo que, vez ou outras, vemos juízes e tribunais de menor estatura praticando. Garante a possibilidade, contudo, de responsabilização posterior, caso haja algum ilícito contra os direitos da personalidade e direito à intimidade, especialmente quando da divulgação de notícias injuriosas, caluniosas, difamatórias, com base em notícias sem fundamento na verdade. Isso sempre se defendeu.

Entretanto, a possibilidade de responsabilizar as empresas jornalísticas por divulgar entrevista com conteúdo que impute, falsamente, crime a terceiros, mesmo com indícios de falsidade da acusação e com a condicionante de falta de zelo na checagem das informações (algo que toda empresa jornalística séria deve garantir), abre a possibilidade de limitações sérias ao dever de informar a sociedade por parte da imprensa.

Apesar da censura prévia estar vetada pela tese, a prática da autocensura por parte dos veículos de informação será muito maior. O medo de divulgar qualquer entrevista que possa responsabilizar terceiros será um fator impeditivo sério para frear informações muitas vezes importantíssimas para a sociedade.

A FENAJ, Federação Nacional dos Jornalistas, pontuou questionamentos importantes. O que seriam esses indícios concretos? E como verifica-los em caso de informações dadas por entrevistas que não são sequer objeto de investigação por parte do Estado? E as entrevistas ao vivo? Como controlar um conteúdo totalmente inesperado e que pode ser dado de forma instantânea e sem tratamento por parte do entrevistado? É justo punir financeiramente o mensageiro pelo conteúdo da mensagem? Os ministros aposentados Rosa Weber e Marco Aurélio se posicionaram contrários à tese e manifestaram que ela poderia servir como um impeditivo à liberdade de imprensa.

As manifestações que vimos desde a semana passada por parte de comentaristas e jornais contra a tese aprovada pelo STF não é algo sem fundamento. São temores sérios e que podem acarretar em menos liberdade de informação. Não perde somente a imprensa ou os jornalistas, mas a própria democracia que, sem imprensa e sem informação, sofre risco de morrer por asfixia.

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