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Decisão do STF volta a permitir despejo

No mar de disputas de narrativas, as fake news ocupam grande destaque, a fim de distorcer, deliberadamente, o entendimento das pessoas e o juízo que elas fazem acerca de determinados fatos políticos e sociais do país.

Essa foi uma realidade quanto à última decisão tomada no âmbito da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) n. 828/DF, proposta pelo PSOL em abril de 2021, no contexto ainda do isolamento social imposto pela pandemia de COVID-19. Segundo alguns sites e manifestações em redes sociais, o STF teria revogado o direito de propriedade no país, inaugurando um novo tempo de socialização total dos imóveis pelo país afora.

Que, no Brasil, os procedimentos para desocupações e despejos são mais burocráticos do que em países como os EUA (para dar um exemplo), isso é um fato conhecido desde sempre. Entretanto, as notícias, como divulgadas desde a semana passada, estão fora da realidade do que ficou decidido.

Inicialmente, segundo o Autor da Arguição, naquele momento de ajuizamento da demanda já teriam ocorrido 9.156 despejos de famílias em 14 Estados e haveria outras 64.546 famílias ameaçadas de desocupação durante a pandemia, se houvesse o cumprimento das decisões judiciais. O grande argumento é que, naquele contexto de crise sanitária, quando o país ainda estava sob ameaça de uma terceira onda da COVID-19, seria uma contrassenso determinar que um grande volume de pessoas desocupasse suas atuais habitações, quando era necessário que se mantivessem isoladas socialmente.

Estava diante de Barroso a difícil tarefa de conseguir harmonizar direitos fundamentais muito importantes nesse caso. De um lado, os direitos de propriedade, possessório e fundiário dos verdadeiros donos dos imóveis ilegalmente ocupados. Do outro, o direito à vida, à saúde e à habitação daqueles que se encontravam ocupando os imóveis irregularmente.

Com isso, a primeira decisão liminar de Barroso, de 3/6/2021, fez uma divisão entre as ocupações anteriores e as posteriores à decretação do estado de calamidade ocasionado pela COVID-19, que aconteceu em 20 de março de 2020. Para aquelas que fossem anteriores àquela data (ou seja, já eram ocupações com mais de 1 ano de existência), todas as medidas administrativas e judiciais que resultassem em despejos, desocupações, remoções forçadas ou reintegrações de posse de natureza coletiva em imóveis que servissem de moradia ou que representassem área produtiva pelo trabalho individual ou familiar de populações vulneráveis, foram suspensas por 6 meses.

No caso das ocupações mais recentes, ou seja, aquelas posteriores a 20/3/2020, o Poder Público deveria trabalhar para evitar a consolidação dessas invasões, desde que as pessoas fossem levadas para abrigos públicos ou que de outra forma se assegurasse uma moradia adequada a elas.

Nos casos de despejos por falta de pagamento de aluguel, também houve uma suspensão de 6 meses, mas somente quanto às decisões liminares (aquelas tomadas no início do processo), sem a audiência da parte contrária e se a pessoa fosse considerada vulnerável. Nos demais processos, as ordens de despejo tiveram continuidade normal.

Interessante que, após essa decisão, o Congresso Nacional acabou aprovando, em outubro do ano passado, a Lei n. 14.216, que positivou várias das medidas determinadas por Barroso e ainda trouxe mais segurança jurídica, estabelecendo, por exemplo, qual o valor máximo de contrato de aluguel que serviria de base para decidir pela suspensão das liminares ou não. A lei só falhou em prever as medidas somente para os imóveis urbanos, excluindo os rurais.

Daí, sobreveio nova decisão do Min. Barroso, de 1/12/2021, que estendeu os efeitos daquela lei para os imóveis rurais e prorrogou os efeitos até 31 de março deste ano. Após, mais duas decisões foram proferidas, uma prorrogando para 30 de junho e a outra para 31 de outubro, ou seja, segunda-feira passada.

Agora, não somente o relator do caso, mas todo o STF não prorrogou novamente aquelas primeiras decisões e acabou por referendar um novo regime de transição para retomada da normalidade dos processos de desocupações. Elas acontecerão de forma gradual e escalonada, mediante um plano aprovado pelos Tribunais de Justiça, acompanhado de uma comissão de conflitos fundiários, que todos os tribunais deverão instalar de forma imediata. Nos casos em que as remoções coletivas atingirem pessoas vulneráveis, alguns passos deverão ser observados, tais como a ciência prévia e a oitiva dos representantes das comunidades afetadas, prazo mínimo razoável para desocupação da população envolvida e a garantia de um encaminhamento dessas pessoas para abrigos públicos, vedando-se a separação de membros de uma mesma família.

Quanto aos contratos de aluguel, o regime da lei voltou a ser aplicado de forma normal. Se não houver o pagamento, a ação de despejo pode ter todos os seus efeitos plenos.

Ao contrário, portanto, do que propagaram algumas fake news, não houve revogação da propriedade privada no Brasil. O que houve foi, assim como aconteceu em diversos outros casos, uma harmonização de direitos fundamentais que estavam em jogo, com a momentânea suspensão de algumas medidas judiciais que, agora, estão sendo retomadas normalmente, de forma gradual e planejada. Isso tudo para garantir o direito à vida e a saúde das pessoas vulneráveis, mantendo-se, ainda, o direito à propriedade dos donos dos imóveis.

Alberto Tapeocy, para Coluna “Direitos Fundamentais” da Rádio CBN Amazônia/Rio Branco, toda quinta, a partir das 7h.

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