Está em julgamento, no STF, um Habeas Corpus, cujo paciente é um homem negro, de São Paulo, que foi preso em flagrante e condenado a uma pena de quase 8 anos de prisão por porte de 1,53 gramas de entorpecente. A grande questão é que sua abordagem teria se dado por perfilamento racial.

Perfilamento racial: o que é e como funciona?

O perfilamento racial é, de acordo com um documento publicado pelo Alto Comissariado para Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, “o processo pelo qual as forças policiais fazem uso de generalizações fundadas na raça, cor, descendência, nacionalidade ou etnicidade ao invés de evidências objetivas ou o comportamento de um indivíduo, para sujeitar pessoas a batidas policiais, revistas minuciosas, verificações e reverificações de identidade e investigações, ou para proferir um julgamento sobre o envolvimento de um indivíduo em uma atividade criminosa.”

O perfilamento racial, em poucas palavras, é a abordagem ou julgamento por parte de autoridades estatais com base em critérios discriminatórios. São as conhecidas abordagens em razão da cor da pele. Abordagem de um indivíduo por que é preto e, por ser preto, há uma desconfiança generalizada de que é suspeito, até que se prove o contrário.

Reconhecimento da nulidade de um processo judicial por discriminação

No caso concreto, há depoimentos de policiais que afirmam que a abordagem se deu porque era um “indivíduo negro em cena típica de tráfico de drogas”. Ora, se a abordagem se deu em razão da cor da pele, a revista pessoal efetivada pela polícia é nula e a prova resultante dessa nulidade também é nula. Sendo anulada a prova material do tráfico, ou seja, a droga apreendida, o crime deixa de existir.

Abordagem por discriminação: caso em análise pelo STF

É um caso interessante em que, por razões discriminatórias, pode-se reconhecer toda a nulidade de um processo judicial. Um passo importante para o sistema de justiça brasileiro, reconhecidamente severo em especial com a população preta, que compõe maciçamente o conjunto mais pobre dos cidadãos brasileiros.

Entretanto, somente o relator, o Min. Edson Fachin, reconheceu que o caso era de prática perfilamento racial e, portanto, concedeu a ordem de ofício. Não somente reconheceu a nulidade da prova, como propôs a seguinte tese a ser aplicada em todos os demais casos semelhantes: “A busca pessoal independente de mandado judicial deve estar fundada em elementos concretos e objetivos de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, não sendo lícita a realização da medida com base na raça, cor da pele ou aparência física”.

O Min. André Mendonça foi o primeiro a abrir divergência, não concedendo a ordem de Habeas Corpus, pois entendeu que, ainda que possa haver indícios de discriminação, o fato é que o local em que a pessoa foi presa era reconhecidamente um local de tráfico de drogas. A suspeita por parte da polícia, portanto, seria fundada em elementos concretos. Ele foi acompanhado, até agora, pelos Ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Nunes Marques. Mas todos aceitaram discutir e aprovar a tese proposta.

Proposta de tese para aplicação obrigatória no Judiciário

Há uma crítica por parte de alguns doutrinadores do Direito quanto a aprovação da tese, sem, contudo, aplica-la ao caso concreto. Ou seja, o STF entenderia que aquele não é um caso de perfilamento racial mas, a partir dele, aprova uma tese de aplicação obrigatória em todos os níveis do Poder Judiciário.

O racismo institucional e a possibilidade de superação

Não vou adentrar na questão da aprovação da tese nessas circunstâncias. O mais importante é a possibilidade de reconhecimento pelo Poder Judiciário de que existe uma superestrutura, muitas vezes sequer notada pelas forças estatais, que impele a atitudes preconceituosas e discriminatórias. Típico caso de racismo institucional que somente pode ser superado pelo reconhecimento de sua existência.

A desproporcionalidade da pena aplicada no caso em questão.

No caso, não somente a abordagem se deu por questões raciais. Mas, como explicar que 1,53 gramas de entorpecentes geraram uma condenação de 8 anos, maior do que uma pena para um homicídio simples? Não se defende aqui a descriminalização das drogas. Contudo, no mínimo, a proporcionalidade e razoabilidade da pena mandaram lembranças. Esse duro sistema contra um indivíduo preso em um bairro pobre de São Paulo não teria funcionado de forma eficiente e severa por questões discriminatórias?

Obviamente não se quer simplificar questões que são complexas. Mas banir a prática do perfilamento racial, doutrinando nossas forças policiais para que as abordagens sejam realizadas por critérios objetivos e com base em elementos concretos e não simplesmente pela cor da pele dos suspeitos, será um passo importante para a construção de uma sociedade cujo maior documento legal, a Constituição Federal, declara que todos são iguais, sem distinção de qualquer natureza. O julgamento está suspenso, por enquanto, em razão de um pedido de vista pelo Min. Luiz Fux. Mas, vamos acompanhar de perto o resultado final.

Meu nome é Alberto Tapeocy e você acaba de acompanhar mais um conteúdo da Coluna “Direitos Fundamentais” na Rádio CBN Amazônia/Rio Branco. Fique ligado toda quinta-feira, a partir das 7h, para mais informações sobre esse importante tema.

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