Conta-se na mitologia grega que Pandora, primeira mulher da humanidade, teria recebido uma caixa, quando desceu para a terra. Zeus, o rei do Olimpo, teria alertado Pandora para que nunca abrisse aquela caixa. Entretanto, dotada do dom da curiosidade, Pandora abriu o presente, libertando todos os tipos de males sobre a Terra, tais como a miséria, doenças, sofrimentos e morte. Mas, no fundo da caixa, havia algo de bom. A esperança.

A Caixa de Pandora do STF

No STF também temos uma Caixa de Pandora. O controle judicial por desvio de finalidade, com a justificativa de adequação dos atos discricionários aos limites e objetivos da lei e da constituição. Com esse fundamento, atos que, antes, eram considerados discricionários quanto ao mérito, estão sofrendo cada vez mais a intervenção judicial, libertando com isso o grande mal sobre o nosso ordenamento jurídico – o desrespeito do Judiciário à independência e harmonia entre os três poderes.

Isso novamente aconteceu com o controle judicial que foi feito no STF quanto à concessão de Graça ao ex-deputado federal Daniel Silveira, preso e condenado por atos atentatórios ao regime democrático de direito, por ter atacado, na Internet, membros da nossa Corte Constitucional. Pelos crimes que cometeu, Silveira recebeu uma pena de 8 anos e 9 meses de prisão. Entretanto, o ato do ex-Presidente Jair Bolsonaro livrou o condenado do cumprimento de qualquer pena.

Anulação do perdão presidencial

Apesar de ser um ato eminentemente político, cujo controle se dá apenas quanto aos limites postos na própria Constituição, o STF considerou que Bolsonaro teria atuado em afronta ao Poder Judiciário e com desvio de finalidade, ou seja, teria aplicado o instituto da Graça em desconformidade com os objetivos da Constituição e, por isso, seria um ato inconstitucional.

Ocorre que, para a doutrina jurídica mais ortodoxa e tradicional, apesar do nosso ordenamento jurídico permitir a possibilidade do controle jurisdicional de atos administrativos que desviam de sua finalidade, quanto aos atos políticos praticados pelos Poderes, o Judiciário não poderia realizar o controle quanto ao mérito, ou seja, quanto às razões de conveniência política que levaram à decisão, somente podendo intervir em questões formais.

A Graça presidencial e o controle do mérito pelo Judiciário

No caso da Graça, a única intervenção que o Judiciário poderia realizar é se o ato tivesse sido concedido contra o expresso texto constitucional, que não permite a clemência presidencial nos casos de crimes de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos. Daniel Silveira não cometeu nenhum desses crimes e, portanto, por mais que se considere que as manifestações do ex-deputado foram criminosas, a concessão da Graça em seu favor não desrespeitou os limites da Constituição.

O controle feito pelo STF claramente invadiu o mérito das razões políticas que levaram à sua concessão. O STF desrespeitou a independência do Poder Executivo, obstruindo um ato de soberania concretizado pelo Presidente da República.

A graça, conhecida também como indulto individual, é um poder de clemência previsto em todas as nossas Constituições, desde 1824, cujas razões que levam um governante a utilizá-la são essencialmente políticas. Qualquer tentativa de limitar sua concessão a questões humanitárias, por exemplo, é uma descaraterização desse instituto. O Legislativo não pode criar limites que não sejam aqueles já previstos na Constituição. O Judiciário também não poder dificultar sua aplicação.

Em situações semelhantes, analisando outro tipo de ato de perdão presidencial, no caso, o indulto (que tem caráter coletivo), o STF chegou a conclusão oposta, ou seja, nem a lei nem o Poder Judiciário poderiam substituir o juízo político entregue unicamente ao chefe do Executivo quanto à concessão do perdão.

O desvio de finalidade e a substituição dos rumos da política pelos Juízes

O instituto do desvio de finalidade utilizado pelo Judiciário para controlar atos administrativos em geral não é aplicável aos atos políticos, sob pena dos Juízes passarem a tomar a condução dos rumos da política, substituindo aqueles que foram legitimamente eleitos para a tomada desse tipo de decisão.

Ainda que se desaprove por completo o ato de Graça concedido a um criminoso regularmente condenado, o fato é que o perdão concedido não afrontou os limites da Constituição. A condenação quanto a esse ato político realizado por Bolsonaro deve ser deixada para a opinião pública, para a desaprovação do eleitor, para o julgamento popular dado nas urnas. Não são os Juízes que devem tomar o lugar do mau político em suas decisões políticas.

Não é a primeira vez que o STF se utiliza da análise do desvio de finalidade para substituir as decisões de um Presidente. Dentre o casos mais recentes, lembro da nomeação de Lula como Ministro da Casa Civil da presidente Dilma Rousseff e da nomeação do Diretor-Geral da Polícia Federal, Alexandre Ramagem, por Jair Bolsonaro.

Todas as vezes que o STF realiza esse tipo de controle é no campo da política que a nossa Corte adentra. Ao fazer isso, perde nossa Democracia, que deveria ter cidadãos exercendo sua responsabilidade de julgar atos desastrosos dos maus políticos (tais como esse perdão concedido por Bolsonaro a Silveira), e perde nossa Corte Maior, que mais uma vez se hipertrofia e apequena os demais poderes. Em nome do “controle de constitucionalidade” (a esperança do fundo da caixa de Pandora), outros males estão sendo soltos, entre eles a desarmonia institucional e a falta de independência entre os Poderes.

Essa foi mais uma edição da Coluna “Direitos Fundamentais” na Rádio CBN Amazônia/Rio Branco, comigo, Alberto Tapeocy. Não perca os próximos programas todas as quintas-feiras, a partir das 7h, para se manter atualizado sobre seus direitos fundamentais.

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