Crédito: Jonathan Borba on Unsplash

O teólogo e pastor luterano, Dietrich Bonhoeffer, que, após lutar contra, foi preso e morto pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial, afirmou uma vez: “O teste de moralidade de uma sociedade é o que ela faz com suas crianças”.

Isso é verdade em todas as fases da vida delas. Não somente após o nascimento e até que chegue à vida adulta. Mas desde sua concepção até o nascimento. A dignidade e respeito aos seus direitos é um verdadeiro teste de moralidade para o Brasil.

Nesse sentido, na última terça-feira, dia 12, entrou em vigor a Lei n. 14.326/2022, que alterou a Lei de Execução Penal, para prever às mulheres presas gestantes o direito ao tratamento humanitário antes, durante e após o parto.

A lei já previa o direito a assistência médica plena, entretanto, o direito ao tratamento humanitário é uma novidade, consistindo numa norma que tem dois objetivos: tratamento digno à mulher gestante e assegurar um nascimento seguro e saudável para a criança.

Pesquisando sobre o tema na literatura médica, o tema do tratamento humanitário vem sendo desenvolvido nos últimos vinte ou trinta anos, numa tentativa de dar uma assistência integral à parturiente, de forma a se respeitar seus direitos humanos básicos.

Conforme se sabe, entre os séculos XIX e XX, o parto deixou de ser uma experiência vivida pelas famílias no interior de seus lares, com o protagonismo exclusivo das mulheres, seja da própria gestante, seja das parteiras, para se tornar um fenômeno controlado em hospitais, com direção das equipes médicas, cuja opinião se tornou praticamente inquestionável, e a opinião ou vontades das gestantes eram ignoradas ou pouco levadas em consideração.

O tratamento humanitário pressupõe que o parto não é um fenômeno apenas biológico, mas há uma complexidade de fatores emocionais, psíquicos e culturais envolvidos. Uma gestação e parto que se suponham humanitários levarão em conta o conjunto de valores, hábitos, preferências e crenças da mulher, de modo que a prática médica não anule a sua participação.

Nesse sentido, a grávida deixa de ser uma mera coadjuvante do nascimento da criança. Ela se torna personagem central. O bem estar dela e da criança é essencial em todo esse processo.

Deve-se lembrar que a alteração legislativa não tem nenhum efeito de diminuir a pena ou a gravidade dos crimes cometidos pela gestante presa. O regime de prisão, os anos que deverá cumprir na cadeia e todos os efeitos conexos da pena ficam inalterados. Entretanto, o tratamento humanitário deve ser respeitado, tanto do ponto de vista de que há outro ser humano envolvido nesse processo, que nada tem a ver com o crime cometido pela mãe, ou seja, a criança por nascer, quanto a dignidade da parturiente, cuja condição de ser humana não é diminuída, apesar do aspecto criminal envolvido.

Essa lei consolida alguns direitos importantes das gestantes ou mulheres em estado de puerpério que já foram reconhecidos recentemente. A título de exemplo, o STF vem garantindo, de forma sistemática, a prisão domiciliar a mulheres com filhos recém-nascidos para que a amamentação seja garantida. Em Minas Gerais, uma lei estadual garante que o parto ocorra sem a necessidade de algemas na parturiente.

Novamente, repito, não se está a tratar de diminuição da pena em face da gravidade dos crimes cometidos por algumas mulheres. Mas, a frase do teólogo que citei no início da minha fala pode ser aplicada também à forma como nossa sociedade trata suas gestantes, independentemente da situação legal em que se encontram. Se às mulheres cabe o dever exclusivo de gerar vidas, novos cidadãos para o mundo, a sociedade deve garantir a elas, de forma radical, o tratamento humanitário devido, seja pelo seu próprio bem-estar, seja em razão da vida que carregam.

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