A história conta que milhares de cristãos foram mortos pelo governo de Roma, ainda no séc. I, sob o poder de Nero. Eram crucificados, levados aos estádios para divertimento do público, trucidados por leões e usados como tochas humanas para iluminação de ruas de Roma. Isso tudo porque se espalhara a notícia de que os cristãos teriam sido responsáveis por um grande incêndio ocorrido na capital do Império. Segundo se sabe, foi o próprio Nero que mandou incendiar sua cidade. Aqueles primeiros seguidores de Cristo foram, portanto, vítimas de fake news.
O tema, portanto, não é novo, mas o debate sobre fake news tem se intensificado nos últimos anos. A importância do tema aumenta ainda mais quando vamos chegando perto de eleições. Afinal, a desinformação ganha uma robustez num mundo de comunicação de massa e de mídias sociais, em que cada pessoa com um celular ou computador, com acesso a internet, pode ser responsável por compartilhar notícias e dar a opinião que quiser.
Nesse contexto, recentemente foi noticiado que um radialista dos EUA, Alex Jones, foi condenado por um júri do Texas a pagar a astronômica indenização de US$ 49,3 milhões à família de uma vítima do massacre da escola Sandy Hook, que ocorreu em 2012, no estado de Connecticut daquele país.
Alex Jones usava suas plataformas para espalhar a notícia de que o massacre, responsável pela morte de 26 crianças, teria sido apenas uma encenação promovida pelo governo da época, numa campanha contra o porte de armas, o que seria uma ofensa à Segunda Emenda da Constituição dos EUA. Para Jones, os pais e as crianças que aparecem nos vídeos são apenas atores contratados pelo governo.
Os pais, ofendidos com toda aquela história, estão indo à Justiça. Essa foi apenas uma primeira condenação. Há outros processos em andamento.
Esse fato voltou a alimentar o debate sobre os limites da liberdade de expressão e se uma campanha difamatória pode estar ou não acobertada por esse direito tão caro ao mundo ocidental. Afinal, muito se discute sobre quem tem o monopólio da verdade. Alguns acusam que esse debate nada mais é do que uma tentativa de governos mundiais controlarem as informações da sociedade.
Obviamente que falsas informações, sem nenhuma consequência prática, estão completamente fora do campo de preocupação desse debate. Afinal, se a terra é plana ou existem unicórnios é algo que só traz danos pessoais à imagem daqueles que sustentam tais teorias conspiratórias. Entretanto, informações sabidamente falsas, que causam danos à reputação de pessoas ou empresas, estão no campo de atenção dos diversos governos mundo afora.
Aqui mesmo, em nosso país, muito se fala sobre o poder das falsas notícias sobre o resultado das eleições. Agora mesmo, estamos debatendo sobre os danos ao próprio sistema de democracia do país, diante da campanha difamatória contra os meios de coleta e apuração dos votos. O Presidente Bolsonaro e seus apoiadores não cansam de duvidar da eficiência das urnas eletrônicas, ainda que não consigam provar suas suspeitas e já tenham sido concedidas diversas oportunidades para demonstrar algum fundamento real nas suas acusações. A única coisa que a campanha tem conseguido é adeptos que, quando não aderem à teoria conspiratória abertamente, entram no campo da desconfiança – “se não querem aceitar a impressão do voto é porque alguma coisa de errado tem aí”.
Não importa se nenhuma mísera prova tenha sido apresentada pelo Presidente. Não importa que esse mesmo governante tenha sido eleito por quase trinta anos por esse sistema, sem nunca questioná-lo. Não importa se Bolsonaro um dia já foi defensor apaixonado da urna eletrônica para combater possível manipulação do voto de papel, lá nos idos da década de 90. O que importa é criar uma fumaça de desconfiança que, a depender do resultado das eleições, dê subsídios a questionamentos. Numa democracia jovem como a brasileira, que foi ressuscitada a menos de 40 anos, isso é extremamente preocupante.
De outro lado, será razoável que, por meio de um inquérito sem objeto definido, de constitucionalidade extremamente duvidosa, aceite-se um STF que manda prender a tudo e todos? Pode-se rasgar a Constituição, o sistema acusatório e os ritos processuais, em nome de se fazer justiça com a Justiça? Será que não estamos entrando no campo da censura prévia, matando a liberdade de expressão em muitos casos em que danos poderiam ser resolvidos no campo da responsabilização dos ofensores?
Pra se ter ideia de quanto o debate não é fácil, enquanto muitos defendem o Projeto de Lei das Fake News que, além de buscar responsabilizar pessoas que divulgam notícias sabidamente inverídicas, quer trazer um marco para as redes sociais. Absolutamente todas elas, Meta, Google, Telegram, etc., manifestaram-se contrárias ao projeto, porque feriria a liberdade da internet.
Enfim, a condenação do Texas traz ao menos uma tendência certa. Espalhar notícias que você não tem como comprovar, sem o mínimo de checagem, no caso, sabidamente mentirosas, com o cunho de ataques à honra das pessoas ou de instituições, é causa de responsabilização cível e criminal. Não seja vítima nem autor da desinformação. Tome cuidado ao espalhar uma notícia.
Alberto Tapeocy, para Coluna “Direitos Fundamentais” da Rádio CBN Amazônia/Rio Branco, toda quinta, a partir das 7h.
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