Foto: Nelson Jr./SCO/STF

Nos últimos dias, vimos o Presidente Bolsonaro defender a possibilidade de aumento do número de ministros do STF, no que foi seguido pelo seu Vice-Presidente, bem como pelo líder do governo na Câmara, o deputado Ricardo Barros (PP). A reação foi tão negativa que parece já ter sido abandonada.

Mas, porque essa ideia é tão ruim?

Inicialmente, a ideia de se modificar uma instituição dentro de uma República, de forma democrática, buscando seu aperfeiçoamento, não é um sacrilégio. Não se pode achar que as instituições são intocáveis e imodificáveis. Não são. Se, em algum momento, a sociedade brasileira, por seus representantes, fundada em razões técnicas e políticas razoáveis, entender necessário o aumento do número de juízes de uma determina Corte, esse tema não pode ser tratado como tabu.

Entretanto, como diria o provérbio de origem alemã, o diabo mora nos detalhes, no caso, nas intenções. A questão que se põe é que Bolsonaro pretende, ou pretendia, promover um aumento do número de integrantes do STF com o claro desejo de diminuir o poder dos ministros que ali já se encontram. Além de ter direito a nomear dois ministros regularmente, caso vença as eleições de 30 de outubro, o aumento de mais 4 ou 5 ministros daria possível controle de Bolsonaro sobre a Corte contra quem, é público e notório, o Presidente trava uma guerra desde o início de seu mandato.

Essa alteração na composição do STF só aconteceu em regimes de exceção na nossa história, conforme relembrou o ministro aposentado, Celso de Mello, em manifestação publicada esta semana sobre o tema.

Após a Revolução de 1930, quem promoveu a primeira alteração da composição do STF foi o Chefe do Governo Provisório da República, Getúlio Vargas, que diminuiu o número de ministros de 15, número respeitado desde o Brasil Império, para 11. Mas, não somente isso, Getúlio Vargas também “aposentou” 6 ministros. A outra alteração ocorreu em 1965, quando a Ditadura Militar, por meio do Ato Institucional n. 2, aumentou a composição daquela Corte de 11 para 16 ministros. Posteriormente, houve ainda a cassação de 3 ministros durante a Ditadura.

A alegação é de que o STF seria muito ativista e, portanto, mereceria ser “enquadrado”.

A questão que se põe é: o STF é realmente uma corte que abraça o ativismo judicial? Se sim, temos realmente uma patologia em nosso sistema. O ativismo judicial é ruim, especialmente porque, sendo o Poder Judiciário aquele que dá a última palavra quanto a constitucionalidade das leis e políticas públicas, os erros acabam causando maior impacto e o equilíbrio entre os demais Poderes restaria abalado. Pois é isso de que se trata o ativismo judicial: a indevida ingerência do Poder Judiciário sobre as competências dos demais poderes.

Entretanto, como escreveu o conhecido jurista e professor Lenio Streck, é preciso separar o ativismo judicial do processo de judicialização. Ao contrário do ativismo, a judicialização da política é do jogo democrático e está presente em todas as nações livres, com sistema de controle de constitucionalidade. Se o Executivo ou Legislativo aprovam medidas ou normas polêmicas, aqueles que discordam, seja a oposição ou até mesmo o próprio Governo, podem ter acesso ao Judiciário, para que este diga o que está certo ou errado.

Que o STF, vez ou outra, erra em suas decisões isso é um fato. Aqui mesmo nesta coluna já me coloquei a fazer diversas críticas a algumas delas. Há momentos em que, sim, podemos identificar uma posição ativista do STF. Para ficar com três exemplos, cito, primeiro, o caso em que o STF passou a considerar a possibilidade de revisar as nomeações dos mais altos cargos da República por parte do Presidente. Isso aconteceu com Bolsonaro, mas nasceu no governo Dilma Rousseff, quando tentou nomear Lula para chefe da Casa Civil. Outro caso foi quando a 1ª Turma do STF considerou que não era crime o aborto praticado até o terceiro mês de gestação, num claro desapreço ao papel do Congresso Nacional e pela delicadeza do debate na sociedade brasileira. Por último, o inquérito instaurado pelo próprio STF para investigar os chamados atos antidemocráticos e as fakenews, invadindo as competências que deveriam ser exclusivas do Ministério Público.

Entretanto, a reclamação bolsonarista não foca somente nestes erros. Em geral, a reclamação é sempre diante da discordância do mérito de toda e qualquer decisão que desagrade o Governo Federal. As políticas públicas por ele adotadas invariavelmente são levadas a questionamento perante o STF. Quem não se lembra da série de julgamentos sobre a pandemia causada pela COVID-19? O que ali ocorreu foi a clara judicialização das decisões ou omissões do atual governo que, em muitos casos, foram consideradas inconstitucionais. Concordar ou discordar do mérito é possível. Mas não dá pra dizer que houve ativismo. A Corte, nestes casos, respondeu o que lhe foi demandado.

Mas, enfim, os erros que apontei, que claramente são exemplos de ativismo judicial, bem como a discordância quanto ao mérito das decisões tomadas quando há a judicialização das decisões do Governo, são tais razões suficientes para que haja um “enquadramento” da Suprema Corte? A mim a resposta é claramente um não. O que Bolsonaro pretende, ou pretendia, com a medida era subverter os papéis da República, sequestrando um Poder que tem um papel grave e que deve ser exercido com independência. Os ministros nomeados não são do governo X ou Y. São ministro da mais alta Corte brasileira no papel de defensores do Texto Magno.

Criticar o trabalho do STF, às vezes até mesmo de forma dura, é da normalidade da vida democrática. O STF não está imune a julgamentos perante a opinião pública. E é dever da Corte buscar seu aprimoramento. De outro lado, nas nomeações dos seus membros, os presidentes da República e o Senado Federal possuem um papel importantíssimo no controle de qualidade do Supremo. Mas, isso não significa autorização para manipulação em sua composição para atender a governos específicos. Há, inclusive, quem enxergue total impossibilidade na alteração do Tribunal, por iniciativa do Executivo ou Legislativo, pois feriria a separação de poderes, cláusula pétrea em nossa Constituição Federal (art. 60, §4º, III).

O mais interessante é que esse discurso aproxima Bolsonaro muito mais da Venezuela do que seu adversário. Pois, foi lá que tal medida foi usada para o controle total do Estado, por meio do governo bolivariano que ali se instalou com Hugo Chávez.

O bom é que o presidente-candidato parece ter abandonado a ideia. Afinal, partir para medidas de exceção diretamente contra o STF, nas palavras do Min. Aliomar Baleeiro, citado em artigo do Felipe Recondo, autor de alguns livros históricos sobre o STF, seria deixar um tribunal manco (debilitado institucionalmente) tentando proteger o coxo (a democracia debilitada).

Alberto Tapeocy, para Coluna “Direitos Fundamentais” da Rádio CBN Amazônia/Rio Branco, toda quinta, a partir das 7h.

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