Semana passada, o STF terminou de julgar os Recursos Extraordinários n. 949.297 (Tema 881) e n. 955.227 (Tema 885), julgamento este que foi recebido como uma bomba atômica no direito tributário, o surgimento de um “anti-Cristo” fiscal. Houve quem dissesse estarmos diante e um novo 8 de janeiro. Mas, ao invés de quebradeira dos imóveis dos poderes, seria um quebra-quebra promovido pelo Supremo Tribunal Federal contra o santuário do Templo Constitucional: a coisa julgada.

Ministro Barroso explica julgamento sobre coisa julgada em matéria tributária

Entretanto, mais do que uma discussão do Direito Tributário, este é um debate sobre a aplicação da teoria constitucional, garantia de direitos fundamentais e sobre direito processual.

Para traduzir da forma mais objetiva e simples possível para os nossos ouvintes a gravidade e importância desse tema, começo dizendo que há diversas empresas que já estão contabilizando altíssimas perdas, a partir da interpretação da tese que foi aprovada naquela Corte. Segundo consta, só a Embraer teria o impacto de mais de 1 bilhão de reais para pagamento do passivo tributário ocorrido com o julgamento que estamos comentando.

Para explicar o que aconteceu, é preciso lembrar que o debate sobre determinados temas à luz da Constituição Federal pode seguir dois caminhos.

O primeiro deles é o chamado controle difuso de constitucionalidade. Nada mais, nada menos, este é o controle realizado por todos os juízes e tribunais quanto a casos concretos que são levados a julgamento perante eles. A validade dessa análise é para aquele caso somente, a não ser que, chegando ao STF, a Corte aplique o instituto da Repercussão Geral, fazendo valer para todos os outros. O outro caminho é o do controle concentrado, que já possui um caráter geral. Este tipo de controle, somente o STF realiza. A palavra final sempre será a do Supremo. A constituição é o que o Supremo diz que ela é.

O julgamento da semana passada envolveu um tributo, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, conhecido pela sigla CSLL. Na década de 90, algumas empresas entraram com ações judiciais para questionar a cobrança e conseguiram vencer, alcançando-se o trânsito em julgado das sentenças. A coisa julgada, instituto pelo qual uma questão se torna totalmente definitiva, é um direito fundamental importantíssimo, que privilegia a segurança das relações na sociedade.

Especialmente no ambiente de negócios, uma questão ficar sendo eternamente debatida, causa insegurança e tudo que um investidor não quer é insegurança.

Entretanto, o Governo Federal questionou essas decisões por meio de uma Ação Direta de Constitucionalidade, a de número 15, buscando a declaração de que o tributo era constitucional. A decisão do STF nesse sentido, dizendo que a cobrança poderia ser realizada, veio em 2007.

A partir daí, tinha-se o seguinte questionamento: continuam valendo as sentenças favoráveis aos contribuintes ou deve-se aplicar o julgamento do Supremo, que é quem dá a palavra final? Seria justo que duas empresas em idêntica situação no mercado, competindo entre si para ganhar a confiança do consumidor, uma pague um determinado tributo (porque não ajuizou a ação) e a outra não (por causa da sentença favorável)?

Estes questionamentos foram respondidos na semana passada. Quando estamos diante de um tributo que é continuamente cobrado porque o fato gerador está sempre se repetindo (relação jurídica continuada ou de trato sucessivo), a declaração de constitucionalidade do Supremo pode interromper os efeitos da coisa julgada dos casos individuais, de forma automática, sem necessidade da Fazenda Pública entrar com novos processos. Quanto a isso, a decisão foi praticamente unânime, pois a questão é realmente de isonomia tributária.

Esse tipo de solução, quando se está diante de uma relação jurídica de natureza continuada, não é nova, pelo menos quando se busca os precedentes do próprio Supremo.

Invoco, aqui, o resultado do RE 596.663/RJ, tema com repercussão geral reconhecida (Tema n. 494), nos casos de sentença favorável a servidores públicos. Entendeu o Supremo, neste caso, que a força vinculativa das sentenças atua rebus sic stantibus, expressão latina que se traduz como “enquanto as coisas estão assim”. Se as coisas mudam, a força vinculativa pode mudar. Que coisas são essas? Os pressupostos fáticos ou jurídicos que fundamentaram a sentença.

Ora, as razões que levaram o Supremo à conclusão do Tema 494 foram aplicadas, agora, na seara tributária. Enquanto a Corte Máxima do país não se pronuncia sobre uma determinada matéria, as sentenças favoráveis aos contribuintes são totalmente aplicáveis. Entretanto, vindo entendimento contrário da última instância, o fundamento jurídico se perde. A força da Constituição se impõe e, para os fatos geradores que surgirem depois daquela declaração, o tributo deve incidir.

O ponto mais controverso, entretanto, está na questão da modulação dos efeitos da decisão. A decisão publicada no site do Supremo (e aqui é necessário se fazer uma ressalva, porque as certezas só poderão ser extraídas quando o Acórdão for publicado) afirma que não foi modulada a decisão. Ou seja, desde o momento em que o Supremo declarou a constitucionalidade do tributo, o Estado poderia já realizar a cobrança. No caso concreto, portanto, nós voltamos a 2007. Estaria, portanto, criado um passivo tributário de 15 anos, pois as empresas acreditaram que o debate que fosse favorável para o Governo só seria válido da decisão definitiva em diante. Ou seja, só seria válido a partir de 2023. Mas, pela fala do Min. Barroso, não foi essa a conclusão.

Há quem defenda que, da forma como a tese foi aprovada, que fala em irretroatividade da decisão, ou seja, não pode ser aplicada aos fatos geradores pretéritos. Além disso, o texto afirma que devem ser respeitados princípios em que o tributo somente pode ser cobrado depois de 90 dias ou no ano seguinte ao da última decisão, a depender do tipo do tributo.

Particularmente, não entendo ser possível defender que um passivo tributário estaria a caminho, a não ser que o Acórdão, que ainda não foi publicado, diga o contrário. A partir do texto da tese, seria possível defender que só vale daqui para a frente. Aplicar o entendimento retroativamente a 2007, ainda que nessa data já tivéssemos o indicativo do Supremo pela constitucionalidade do tributo, é abalar os alicerces da segurança jurídica.

Afinal, foram 15 anos de debate para que o Supremo colocasse um ponto final. As relações jurídicas que foram estabelecidas em todo este tempo já se consolidaram. Cobrar 15 anos de fatos geradores, quando as empresas ainda tinham esperança na manutenção das sentenças que lhe eram favoráveis, é realmente um desrespeito ao direito fundamental à coisa julgada. Querer rediscutir as relações tributárias de todo este tempo não colabora em nada com a pacificação social e ainda incrementa o famoso “risco Brasil”, lugar em que “até o passado é incerto”, frase eternizada pelo ex-Ministro da Fazenda, Pedro Malan.

Eu sou Alberto Tapeocy, esse foi mais um conteúdo para Coluna “Direitos Fundamentais” da Rádio CBN Amazônia/Rio Branco, toda quinta, a partir das 7h. Até a próxima!

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